25/04/2015 às 13h41min - Atualizada em 25/04/2015 às 13h41min

Bruno Frederico Muller

E na arte da cultura. O ser humano encontrará preciosidades que lapidará seu caráter...

Thiago Santos

 Quem é o ser humano Bruno Frederico Müller? 

 Eu sou carioca, historiador, graduado pela UFRJ, com mestrado em Relações Internacionais pela UFF e doutorado em História pela UERJ. Além da história, sou apaixonado pela filosofia, pela música, pelas artes em geral. Mas mais importante de tudo, sou vegano e defensor dos direitos animais. Esse é meu compromisso de vida e minha causa.

 

 

 Recorda como se deu seu primeiro contato com a leitura e o quanto lhe foi importante no todo de sua vida?

 Meu primeiro livro foi uma versão infantil da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ganhei de minha mãe no Natal de 1985. Aí eu já indicava minhas inclinações às questões sociais e políticas. Não recordo o primeiro livro de literatura que li. Provavelmente algum infanto-juvenil que fui forçado a ler na escola – o que para mim é uma prática assassina de leitores: obrigar jovens a ler livros, sem que eles possam escolher os títulos, e ainda sob a pressão de receber uma nota ao final. Mas lembro de dois dos primeiros livros que me marcaram, que li na adolescência e, embora não transpareça à primeira vista (e guardadas as devidas proporções), me marcaram e influenciaram muito: Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky, e O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. São romances filosóficos, políticos e históricos. Além da ação, os personagens se engajam em longos debates e os temas da época fazem parte do “repertório” da obra. Da mesma forma, no meu romance, embora pouco se fale sobre política no sentido tradicional, os personagens debatem, filosofam, defendem seus pontos de vista. (Eu digo “política no sentido tradicional” porque direitos animais são, para mim, uma questão política). E há todo um repertório cultural que os envolve, seja a música popular, a música erudita, autores e teorias que eles, como intelectuais, profissionais do direito, têm familiaridade.

 

 

 Quanto lhe é precioso o ato da escrita?

 A escrita para mim é uma terapia e um termômetro. Terapia porque me ajuda a me manter bem comigo mesmo e com o mundo. O processo criativo já me ajudou a suportar e superar crises. Porém, como qualquer terapia, ela tem seus limites. Quando tenho bloqueios para escrever, é sinal de que os problemas saíram de controle. É aí que digo que ela é um termômetro. Quando o bloqueio surge, liga-se o sinal de alerta interior. Ela também é termômetro no bom sentido. Quando me sentido bem, estes são os momentos de mais intensa criatividade. O estereótipo do artista atormentado é muito relativo. Sim, às vezes a crise nos serve de impulso, mas às vezes pode aniquilar o fluxo de ideias.

 

 

 Seu foco principal como escritor se dá no campo da vida real e dos dramas humanos!

 Sim, porque eu acho que nada supera a realidade em seu potencial para o sublime e o sombrio, de belo e feio, de admirável e detestável, de maravilhoso e de terrível. Histórias fantásticas, de terror, podem recriar esse universo doutra forma e podem almejar criar os seres mais horripilantes, as situações mais cruéis, mas são licenças poéticas que se apoiam sobre terrores muito verdadeiros. Ou, pelo contrário, podemos imaginar os mundos mais belos, mas estes são também recriações do mundo real. Não estou desmerecendo esse tipo de literatura, mas creio que a vida, a realidade e os seres humanos sempre nos surpreendem, para o bem ou para o mal, com sua capacidade de criar, reinventar-se de uma forma que jamais imaginamos. O que são as histórias de vampiros ou fantasmas diante das catástrofes das Guerras Mundiais, ou dos genocídios do século XX, ou das torturas medievais? Por isso o drama realista me atrai mais que o mundo da fantasia.

 

 

 Porque a decisão de expressar seus pensamentos dando assim vida há um livro?

 Eu venho do meio acadêmico, sou historiador. Quando terminei meu doutorado, senti um desgaste e uma desilusão com o mundo acadêmico. Eu tinha perdido contato com a literatura nesses quatro anos. Mas havia em mim uma dúvida: será que eu seria capaz de escrever ficção? Eu tinha uma ideia, uma ideia para o desfecho de um romance – eu sabia que requeriria mais de 100 páginas para chegar naquele desfecho. E tinha um fragmento que eu escrevera uns seis meses antes, que era só parte da introdução, que no livro se chama Prelúdio. Então este é um livro que nasceu com início e fim, mas nada entre eles. Digamos que eu sabia como começaria e terminaria a história de Mariana e Guilherme. Mas como desenvolvê-la? Então em janeiro de 2013 eu decidi pôr a ideia no papel. E a cada capítulo que eu concluía, eu me sentia mais seguro de que era capaz de escrever ficção, e de escrever romances.

 

 

 O Espelho Partido?

 O Espelho Partido, como o título sugere, é a história de duas pessoas que se identificam mutuamente pelas cicatrizes que carregam em sua história de vida. Essas pessoas são Mariana e Guilherme. Eu diria que o Guilherme é o protagonista, pois seu pensamento é verdadeiramente dissecado, ele está presente em todos os capítulos, enquanto há momentos em que a Mariana está ausente. E, para fins dramáticos, existe um certo enigma quanto à mente da Mariana. Mas é um enigma inerente a ela mesma: ela própria não sabe bem quem é, ela tem uma séria crise de identidade. Mas se o Guilherme é o protagonista, a Mariana é a força motriz da história. Sem Mariana, não haveria romance. Eu a considero um personagem fascinante, em suas contradições e suas dores.

 A relação entre os dois é ambígua, porque além da amizade existe a atração mútua. Ao longo dos anos eles se afastam algumas vezes, porque ele, Guilherme, não consegue lidar com essa ambiguidade, pois o desejo dele é mais forte, ou pelo menos mais consciente, enquanto ela tenta negar a atração. Mas sempre acaba deles se reaproximarem, e o que os reaproxima é o que eles têm de mais em comum: a depressão e a dedicação pelos animais.

 

 

 

 

 

 

 Que valores Mariana e Guilherme podem acrescentar àqueles que acompanharem cada palavra do livro?

 Espero que quem tiver o prazer de ler O Espelho Partido reflita sobre como é o processo mental de uma pessoal com depressão e outros transtornos mentais, e o quanto elas sofrem. E assim, tenham mais empatia por elas. Eu não dourei a pílula. Depressivos também têm defeitos e lidar com eles nem sempre é fácil. Muitos deles adotam posturas ou discursos que apenas dificultam a própria vida, e a dos outros – e isso transparece no livro. Mas não tenham dúvida: mesmo quando aquela pessoa parece que só quer te atormentar, ou que só quer ficar na cama porque é mais cômodo, essa é uma pessoa que sofre, e muito. Por isso o tratamento psicoterápico e psiquiátrico é fundamental. Mas não só isso. Apoio da família, de amigos, pessoas íntimas são fundamentais para a melhora, para superar crises e para evitar novas quedas. Para quem lida com essas pessoas, poder se colocar um pouco no lugar delas, suas dores, cicatrizes, frustrações, pode facilitar o processo de diálogo e facilitar o tratamento e melhorar a vida de todos. Eu tenho esperança que meu romance tenha algo contribuir para esse processo de abreviar a distância entre os que sofrem de doenças mentais, e os que sofrem por conviverem com pessoas queridas portadoras dessas doenças.

 Espero que as pessoas que têm depressão ou transtornos mentais e se depararem com esse livro sintam-se mais amparadas e compreendidas, sabendo que elas não estão completamente sós. E que isso lhes dê um novo ânimo, seja para enfrentar a vida, para buscar tratamento, para tentar dialogar com uma pessoa querida que não compreende o que ela passa. E que sirva também para que, do outro lado, elas reflitam sobre seus próprios pensamentos e atos viciados e autodestrutivos, que causam sofrimento a elas e àqueles que as amam.

 Espero também que O Espelho Partido faça as pessoas refletirem e adotarem uma atitude de respeito aos animais, tema que vou elaborar na próxima questão.

 

 

 O Espelho Partido é mais do que uma história de amor e amizade?

 Sim. O Espelho Partido é uma obra animalista/existencialista.

 O Espelho Partido é uma obra animalista, isto é, nela os animais não humanos não são meros objetos ou parte da paisagem. Eles são sujeitos da obra. Além disso, é uma obra comprometida com a filosofia dos direitos animais. Espero que quem se deparar com ela reflita sobre este tema subjacente ao livro: a forma como exploramos os animais. Embora não fosse o tema central do livro, discutir o veganismo, apresentar argumentos, mostrar como é o mundo de ativistas e protetores, também era uma meta do livro. Todo livro tem um contexto social. Há livros que se passam na periferia das cidades e discutem questões urbanas como as disparidades sociais, ou a violência policial, ou o trabalho alienante, ou outro aspecto próprio do contexto. Há livros que se passam no campo e discutem conflitos agrários, discutem o tema da tradição, da modernização, etc. Há livros que retratam comunidades minoritárias, como as judaicas, e falam sobre discriminação, assimilação, ou discutem as tradições daquele povo, os conflitos entre os mais ortodoxos e os mais liberais, etc. Isso tudo é válido. O contexto social do meu livro é o universo das pessoas envolvidas com direitos animais e proteção animal. E como elas não estão simplesmente fazendo um trabalho, mas defendendo uma causa, meu livro, para ser realista, deveria retratar esse engajamento político. Seria realista, e eu não quis fugir do desafio de criar situações e diálogos onde o veganismo ganhasse destaque, sem interferir na fluidez do texto, sem cair no panfletário ou propagandístico, resumindo, sem ser artificial, nem perder o foco na estética literária. Aqui – de novo, guardadas as devidas proporções – também Dostoievsky e Érico Veríssimo serviram de referência. O que vai determinar a qualidade estética da obra é se esse engajamento não perde de vista o estilo, a profundidade, a originalidade, e não compromete a independência do autor.

 O Espelho Partido também é fortemente marcado pelo existencialismo. O pensamento de Albert Camus e sua noção do Absurdo, que dita que há um hiato entre o que ser humano espera do mundo – justiça, ordem, clareza, razoabilidade – e o que o mundo nos oferta – indiferença moral, caos, imprevisibilidade, aleatoriedade. Friedrich Nietzsche, a ideia do Eterno Retorno e várias outras ideias dele que brotam das discussões entre Mariana e Guilherme. Kierkegaard e seu “Salto de Fé” é muito importante num determinado momento do texto. Segundo Kierkegaard, toda decisão implica uma suspensão da razão, porque por mais que você analise racionalmente, nunca terá certezas e garantias. Então a decisão é um salto no escuro, ou um “Salto de Fé”, como alguns filósofos denominaram. Dar ou não o Salto é um momento de incerteza, uma decisão que só você pode tomar, o que gera uma Angústia. O conflito entre a Angústia e o Salto é muito importante para o desenrolar da narrativa.

 Mas como por formação eu tenho uma grande influência do Iluminismo, que também é muito importante na filosofia dos direitos animais, há também uma dose dessa corrente de pensamento no texto. O Guilherme, como advogado, tem uma forte tendência Iluminista kantiana, que ele não renega. Como eu não renego. Convencionou-se dizer que o existencialismo e o iluminismo são incompatíveis, ou eu pelo menos já li algumas afirmações do tipo. Minha perspectiva é divergente. O existencialismo aponta os limites da razão, que o iluminismo exalta, e à ética universal que o iluminismo almeja. Mas o existencialismo não nega a razão, nem prega o relativismo moral. Ele apenas ressalta que há decisões morais onde não há terreno seguro para determinar o que o indivíduo deve fazer – e que, mesmo que haja, cabe a ele decidir, e daí surge a Angústia. Os existencialistas ressaltam o peso da decisão individual nas decisões morais e, assim, o peso da liberdade. Isso não quer dizer que todas as decisões sejam igualmente válidas.

 

 

 Quais atributos serão descritos em sua arte da escrita?

 Cada capítulo é aberto com uma pequena introdução que dá ênfase ao universo interior de cada protagonista, e no qual busquei uma prosa mais lírica. O narrador não é totalmente onisciente. Apenas os personagens principais têm seus pensamentos escrutinizados. Em relação aos personagens secundários ele é muito mais discreto nas suas observações. Elas às vezes soam incertas, às vezes irônicas, às vezes são meramente descritivas. É como se ele só tivesse acesso à mente de Mariana e Guilherme.

 Há uma assimetria no papel da narração, aliás. Há capítulos em que os personagens tentam ou se sentem forçados a interagir com o universo exterior, e nesses os diálogos predominam, e a narração apenas serve para amarrar as pontas. Eu gosto do efeito que isso cria, pois quebra o ritmo da leitura, no bom sentido, espero – de surpreender o leitor, de aproximá-lo dos personagens e da trama.

 Eu tento fazer com que a prosa seja fluida, agradável e bela. Isso quer dizer que eu não abro mão de usar vocábulos ou formas verbais mais incomuns, mas jamais ao ponto de fazer do texto algo arcaico ou rebuscado.

 Nesse livro eu adotei um estilo que não tem nada a ver com minha forma de escrever, pelo menos nos meus contos e textos acadêmicos e ensaísticos: eu escolhi, sempre que possível, frases e parágrafos breves. Não porque eu tenha lido essa recomendação em algum manual. Eu sei que se costuma fazê-la – só que eu fui muito além do manual, tomei liberdades e fiz o que em outro contexto seria classificado de vício de linguagem. Minhas frases, muitas vezes, eram de uma palavra. E os parágrafos, de uma linha. Isso foi, em primeiro lugar, uma opção estilística – e estética. Eu achei que o texto ficaria belo se pudéssemos pinçar deles orações de uma só palavra, parágrafos de uma só linha, sem prejudicar o sentido – daria ao texto o impacto, a dramaticidade que eu estava procurando. Como dar um tapa na cara – é muito mais impactante do que fazer um discurso insultuoso. Esse foi o primeiro motivo. O segundo foi um desafio pessoal – que eu, que sou prolixo, como esta entrevista mostra – poderia escrever de forma mais breve, direta, sem prejuízo do sentido e com o benefício do efeito que causaria no leitor.

 Eu tomei duas liberdades gramaticais com este texto. Os pensamentos aparecem entre parênteses, e não aspas, seja para enfatizar que, de certo modo, eles fazem parte do diálogo, seja para fazer complemento ou contraponto ao diálogo. Foi uma forma de dar fluidez, continuidade entre o universo dito e o universo pensado. E também uma forma de dizer que aqueles parênteses não deveriam estar lá – são ideias, pensamentos, sentimentos não ditos, que todos temos, mas guardamos para nós mesmos, por medo, pudor, orgulho...

 A segunda liberdade foi inserir marcações de teatro em algumas falas ou entre elas. Eu queria que as pessoas sentissem a pausa, o silêncio, a respiração, os risos, que elas pudessem sentir o ritmo da fala dos personagens, reproduzi-lo em suas mentes, para melhor senti-los. Acho que essa é uma marca da minha escrita, ao menos n’O Espelho Partido: eu quis que os leitores sentissem o que os personagens sentiam, e não apenas confiassem na descrição de um narrador. Em suma, um exercício de empatia.

 Por fim, uma marca muito forte da minha escrita é a referência ao universo musical. Metáforas que envolvem a música e conceitos musicais perpassam o texto. O texto é dividido em partes que têm nomes tirados de formas de composição musical. Embora seja tentador revelá-lo, eu deixo para o leitor decifrar, na íntegra, o sentido das divisões do texto – ou dar a sua própria interpretação. Afinal, o leitor é soberano.

 

 

 Para finalizar nos fale dos seus projetos atuais e futuro!

 Tenho alguns contos inéditos, mas ainda não o suficiente para um livro. Tenho roteiros para romances ainda não começados, e um novo romance para o qual escrevi algumas páginas, mas ainda sem previsão de acabar.

 E-mail: [email protected]

 Facebook: Bruno Frederico Müller

 FanPage de O Espelho Partido: https://www.facebook.com/oespelhopartido

(O livro pode ser encomendado pela FanPage. Basta enviar uma mensagem)

 

 

 

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