14/03/2015 às 20h04min - Atualizada em 14/03/2015 às 20h04min

Antônio Nicodemo

Amante da arte com toda intensidade e dedicação...

Thiago Santos
Thiago Santos

 Quem é o ser humano Antônio Nicodemo?

 Eu sou uma expectativa. Sou sempre depois de amanhã.

 Essa eterna busca para que algo diferente aconteça e me mexa diretamente no eixo. Me modifique mesmo que pelo contrário. Não existe uma formula pré-estabelecida de como viver. Tenho paixão nas pequenas descobertas diárias.
 Amo o meu oficio. Não me vejo fazendo outra coisa na vida.
 Sou um cara extremamente ansioso e observador. Sou obsecado por novidades.
 A qualquer momento do dia estarei criando alguma história, destrinchando diálogos mirabolantes... Tudo para mim vira história.
 " Eu acho que não bato muito bem rsrs. "

 


 

 Houve algo significativo para que no auge de sua juventude escolhesse o mundo da arte?

 A arte é generosa. Engana-se quem pensa que a escolheu. É ela que faz esse trabalho. Poderia responder aqui que sentia que desde menino tudo me encantava mas o buraco é bem mais embaixo.

 Existe uma diferença grandiosa entre ``ser ator`` e ser ``trabalhador de teatro``. Eu jamais imaginaria o caminho misterioso para o fim das contas. Sempre fui inquieto e curioso. Sempre tentei expressar minha imaginação em cima das coisas. O Teatro me abraçou. Não consigo datar aqui um acontecimento significativo. O teatro me tornou significante.

 Foi um encontro e ele me acolheu.

 

 

 

 

 

 

 Em sua opinião baseada no dia de hoje qual foi ou foram as grandes importâncias por logo de cara ter dado inicio em sua  própria Cia?

 Eu tinha 17 anos e recém-conhecido amigos dentro de um processo teatral na minha cidade Natal.
 Frequentávamos além dos ensaios também a Associação que organizava tudo, e ainda organiza o  maior evento teatral da região. A Associação Opereta. Como o processo tinha data de termino e eu já estava participando a três anos seguidos, veio a vontade de ter nosso próprio grupo de teatro. Jamais imaginaríamos o tamanho que tudo ganharia. Nem que daria certo. Muito menos que chegaria aos onze anos com tantas mutações extraordinárias. Era a ansiedade e a necessidade de continuar fazendo aquilo que nos apaixonamos. Esse mesmo projeto (A Paixão de Cristo) continua sendo um ninho de descobertas e pontapés. É gostoso ver artista nascendo com espontaneidade. Naquela época não havia onde acolher artistas, e na verdade ainda não há em Poá nenhum movimento do tamanho desse que apresente o teatro na sua realidade para quem se interesse. A ideia de se ter um grupo nasceu dessa generosidade e persistência. No mesmo ano migramos para Suzano onde o grupo já agregou novas cabeças e seguiu. Naquela época conseguíamos mesmo que engatinhando expor tudo que tínhamos vontade. Junto disso me descobri dramaturgo.

 

 

 

 

 

 

 Me chamou a atenção o fato de você sempre procurar qualificações por meio do estudo?!

 Somos um grupo de pesquisa e repertorio. Sou formado. Mas meu aprendizado constante foi meu grupo que me deu. A ``academia` não é a grande mãe da verdade sobre o teatro.  É na vivencia e na convivência dos processos que o artista cresce.

 Nunca estaremos completos. Jamais saberemos tudo. Eis ai a graça.
 Procuramos sempre a formação individual e coletiva. Independente de um espetáculo.
 Nutro uma paixão por historias e pelas particularidades das pessoas. Essa e minha maior matéria prima.
 Estamos habituados a ficar um, dois anos em sala de ensaio. Pesquisa, cena, musicalização...
 Procuro conhecer a maior quantia de coisas possíveis para as minhas referencias. Estuda-las. Já me dei conta que vou morrer sem ter conhecido nem 1% das coisas incríveis que são criadas. Tem muita gente boa nesse mundo.

 

 

 


Foto: Victor Lucredi

 

 

 

  E o primeiro personagem?

 Todo personagem é o primeiro.

 Não existiu para mim uma sensação única de ``estreia na vida``.

 Não durmo. Suo as mãos. Me da branco na coxia. Nunca acho que esta perfeito.
 Todo personagem será o primeiro. Pode ser o vigésimo sétimo que continuara sendo o primeiro.
 A gente só descobre o que ele é na frente do publico. Ate então é só achismo.
 Podemos passar meses, anos em sala de ensaio mas somente apresentando entenderemos.
 E ele se modifica. Você jamais chegara no fim de uma temporada da maneira que estreou. Se chegou da mesma forma, muda de profissão. Ta tudo errado!

 




 Me vem em mente um pensar. Nele, e inspirado nele, levo ao meu cérebro. Interrogações no mínimo curiosas; capacidade do ator em poder viver personagens diversos! Você diria que um ator consegue viver esse fator porque não existe limites em relação à criatividade humana ou que isso se dá pelo fato do ser humano ter em si, personalidades diversas?

 E ser humano tem algum tipo de limite? rsrs
 Todo trabalhador de teatro é um bom observador da humanidade. Independente de personalidades.
 Todo trabalhador de teatro (uso esse termo porque ator é fácil de ser)  é um ser pensante além dele e de seu meio.
 Enxerga mais que o obvio. É curioso. Instigante. Carrega dentro de si uma vontade gigante de entender o mundo.
 É um questionador nato. Estar em cena e uma consequência de quem faz teatro. A verdade vai alem do palco.
 Ha a necessidade de uma generosidade egocêntrica de berço. 
 Precisa ser de verdade.

 

 

 

Foto: Victor Lucredi

 

 

 No ano de 2011 houve o que imagino ter sido uma ótima mudança em sua carreira?

Imaginação rsrs. Como uma novidade, sim. Os perrengues meus e do coletivo continuaram o mesmo.

Esse ``falso glamour`` que a profissão carrega só funciona para capa de revista pagando assessor ou produtores vampiros.
Não ha luxo em vencer editais. Não há respiros longos em projetos contemplados. Ha ainda mais trabalho.
Mais trabalho e torcer que olhem seu projeto com mais carinho. Sem amarrações com terceiros. Sem a boa e falsa politicagem. Repito. Há dezenas de artistas sensacionais que nem conhecemos ainda.
Me descobrir diretor foi aterrorizante e sensacional. Devo isso à generosidade dos meus. Sou um cara de sorte.
‘’A Menina da Cabeça de Bola’’, que e a menina dos nossos olhos, estreou de maneira brilhante. Como todos os outros processos do grupo.
A maior mudança está em um treino de olhar diferente. De pensar em algumas coisas um pouco alem. Responsabilidades maiores.
O teatro é do ator e não do diretor. Eu só auxilio. Não ha uma boa direção se não houver atores talentosos e atentos.

Me apaixonei por esse olhar de fora.

 

 

 



Foto: Victor Lucredi

 

 

 Conceitos do Realismo Mágico?

 Me encontrei na escola literária sem se quer imaginar que tinha me encontrado. Dividi durante anos minhas dramaturgias com uma grande amiga do grupo. Quando menos notei, já havia mudado minha escrita. E não devo isso ao grande mestre Garcia Marquez.  Ele me veio depois como necessidade. Assim como outros trezentos escritores da mesma linha que se quer conhecemos. Comecei a escrever Realismo Fantástico por conta de um amigo. O filosofo e escritor Marco Aurélio Maída.
 Continuo firme na vertente.

 

 

 

 

 

 

 Por meio das palavras mostre aos nossos leitores uma de suas criações...

 ``Tinha perdido completamente a fé nas coisas.

 O marido, após a perda do quinto filho, negou viver.

 Ficou parado uma quinta feira no fim da estrada de terra, esperando que Deus tivesse misericórdia. Teve. Levou o moço pelo colarinho.

 Desde então, ela continuou emprenhando dele por espontaneidade e afeto. Tinha prometido que pelo menos um vingaria.

 Em dez anos de casados, já tinha perdido treze.

 Depois que ele subiu pro céu ela nem teve mais noticias. Mas fazia questão de dar a luz e repetir no batismo o mesmo nome.

 Até que um dia, véspera de sábado de aleluia, nasceu vivo o décimo quarto. Fez festa na aldeia.

 Mas Deus, que sempre escreve certo por linhas tortas, deu a moça uma espécie de penitencia. O menino cresceria diferente. E cabia ela, somente ela, dar um jeito que antes dos dez anos, a cabeça dele tocasse o céu. Caso contrário, levaria o menino.

 Começou então uma movimentação daquelas. Tia, vó e vizinhança em peso.

 Se reuniam toda sexta feira pra puxar novena. Precisavam correr contra o tempo pra "agigantar" o garoto. Precisava ser imenso e bonito. Não há feiura que agrade os olhos do pai, repetia a bisavó. Deus também cobrou beleza. Não haveria de perdoar se faltasse um dente se quer.``

 

 

 

 Um trabalho que graças ao surpreendente mundo das surpresas se tornou inspiração para a sequência de sua carreira?

 A estreia do Teatro da Neura em 2005. Meu primeiro texto ``E não vos deixeis cair em tentação.”

 

 

 

Foto: Victor Lucredi

 

 

 Querido. Qual a sensação de poder se tornar um analista ( creio ser esta uma boa expressão ) das obras geniais do mestre Nelson Rodrigues?

 Eu amo Nelson Rodrigues.
 Não sou um analista. Estou longe de ser. Sou um amante como ele.
 Estudo as obras, estudo a vida. Sou apaixonado pelas crônicas. Principalmente seus pseudônimos femininos.
 Tenho uma verdadeira fascinação por ``Os Sete Gatinhos``. Nelson me e referencia e sempre será. 

 

 

 

 Para finalizar nos fale dos seus projetos atuais e futuro!

 Inauguramos recentemente o Espaço sede do grupo. Estamos a todo vapor. Felicíssimos.
 Continuarei focado na  Trilogia dos Sacros Dias. Teremos uma oficina para a pesquisa e apropriação de toda a temática que culminara na montagem de ``O Menino Gigante``.    Recém retornamos de Salvador onde passamos pelos rituais da festa de Yemanjá.  Vivenciamos de perto todo esse lado sagrado do sincretismo. A pesquisa nasceu há três anos em Ouro Preto, passou pelos rituais da quaresma em Paraty e tem com pano de fundo a religião, a mulher, a sociedade... Tudo isso na delicia da escola Fantástica. 
 Fora a trilogia, o espaço está com um cronograma redondinho de oficinas para receber de iniciantes a atores profissionais.
 Para estudo das nossas linguagens e cursos livres.
 Estamos focados nas estreias, no repertorio e na casa nova. Queremos receber artistas de tudo quanto é canto.
 Quando se abre um espaço cultural não é somente vitoria do coletivo que gere, mas, uma vitoria que se estende.
 Suzano hoje é vítima de um holocausto cultural e nós, como alguns outros artistas ainda somos resistência. Somos um grupo independente abrindo um espaço independente. Esse é um dos maiores projetos.
 Nossa casa está aberta. Fica o convite para conhecê-la. Fui convidado por alguns amigos para pensar a produção e preparação de elenco para cinema e iniciar um processo de escrita mais voltado para seriados. O que me faz nascer uma ansiedade gigante pelo carinho e curiosidade que tenho com a linguagem. Me apaixono por projetos que carregam verdade. Precisa ser espontâneo e verdadeiro. Se não, meu santo não bate.

 

 

Foto: Victor Lucredi

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