16/06/2024 às 10h52min - Atualizada em 17/06/2024 às 14h01min

Aborto x crime hediondo: câmara aprova urgência na votação do projeto 

Legislador foca na vítima do abuso e deixa estupradores em segundo plano no Brasil 

Karina Pinto
Karina Pinto - Assessora de imprensa
Imagem gerada por IA

Uma votação relâmpago na Câmara dos Deputados e a urgência do projeto que equipara aborto realizado após 22 semanas a crime homicídio foi aprovada. Mas afinal de contas, que recado os parlamentares, em sua maioria homens, enviam para o país com maioria de mulheres? 

O Brasil com 104.548.325 (51,5%) mulheres, e 98.532.431 (48,5%) homens, segundo o último Censo do IBGE, vota em homens, que decidem o que é certo e errado, bom e ruim, para todos, principalmente para a maioria da população, as mulheres. E, nesta quarta-feira (12), decidiu que é contra o aborto e isso inclui as vítimas de estupro. 

Em um país com números alarmantes de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres adultas, proibir o aborto e considerá-lo crime hediondo joga um banho de água fria em décadas de discussão e deixa em risco a saúde física e mental de quem já foi vítima, e como mostram os números, na maioria dos casos têm entre 10 e 13 anos. 

Especialista em escuta qualificada, a psicanalista Amanda Souza vê com preocupação essa pressa dos parlamentares brasileiros, a questão não é liberar o aborto, isso segundo a especialista, deveria ser votado de forma isolada dos casos autorizados via judicial que atendem pedidos para resguardar a vida de meninas que foram violentadas e engravidaram de seus abusadores. 

“Ao misturar os assuntos e tentar tornar crime hediondo o aborto após 22 semanas, o parlamento brasileiro põe em risco a vida dessas vítimas, que precisam ser tratadas como vítimas, e por isso necessitam de um cuidado e atenção diferenciada. Uma menina de 9, 10, 11 anos, que está grávida do pai, do padrasto, do irmão, que sofreu todo tipo de humilhação e abusos, e por conta do processo legal que é naturalmente demorado, certamente só conseguirá essa permissão para interromper a gravidez após 22 semanas. Prolongando assim o trauma dessa vítima, podemos dizer no viés profissional, que seria uma segunda tortura."

Com uma discussão rasa, pautada na politização do tema e sob pressão de bancadas como a evangélica, assumidamente contrária ao aborto em qualquer circunstância, o centro político do país passa uma imagem de intransigência e que não estaria disposto a ouvir o que a populaçção tem a dizer. O debate pegou fogo nas redes sociais, grupos contrários e a favor da decisão voltaram a se atacar. 

Para a psicanalista, mais uma vez o crime contra as crianças e adolescentes fica em segundo plano, revelando algo alarmante: o Brasil não consegue criminalizar o abusador. “Ao deixar de lado essa discussão que é no meu entendimento o real problema do país na atualidade, os deputados mandam um recado muito preocupante para a população, enquanto os abusadores estão dentro de casa, nas ruas à espreita das nossas crianças e destruindo suas vidas, o legislador quer que as vítimas assumam o compromisso de manter uma gestação fruto de um crime cruel, o estupro de vulnerável.”.

Amanda destaca que para uma criança ser obrigada a carregar o fruto de um estupro, e a sensação de mudança em seu corpo é algo desesperador. “Ser obrigada a ter sua natureza que não está preparada para a maternidade, ser obrigada a levar até o fim algo que ela não escolheu viver. Uma criança ou adolescente que sofre estupro, infelizmente tem sua inocência violada, e ainda as autoridades não tendo sensibilidade e responsabilidade com essas vítimas, podem acabar por violar pela segunda vez o psicológico dessas vítimas.".

Dados do Disque 100 mostram que no Brasil, só em 2022 a cada hora foram registradas 124 denúncias do crime. Somente no carnaval deste ano, o canal de denúncias recebeu cerca de 26 mil casos de violência sexual contra menores de 18 anos, um aumento de 30% em relação ao mesmo período do ano passado. 

“Nossas crianças estão em perigo, mesmo dentro de casa onde elas deveriam estar seguras, esse crime vem sendo praticado de forma indiscriminada, e o legislador não se esforça para punir os responsáveis por essa prática destrutiva, focar na vítima e punir quem ficou grávida durante um estupro não é apenas um retrocesso nas ações de Direitos Humanos, mas um recado lamentával. E é importante ressaltar que o Estado deve estar sensível  ao olhar para o seguinte aspecto, um ser humano sendo uma criança em processo de construção psicológica, passar a ter seu corpo marcado por uma gravidez é fazer esse ser humano reviver o trauma inúmeras vezes, ferindo novamente o psicológico dela. O parlamento deveria se preocupar na verdade em um combate mais eficaz contra esses estupradores, que marcam negativamente de maneira destrutiva a alma de cada vítima.", ressaltou a especialista. 

Vivendo no Rio de Janeiro e atendendo os pacientes em seu consultório e pela internet de forma on-line no Brasil e brasileiros que vivem no exterior, Amanda criou um canal onde as pessoas podem entrar em contato com ela e receber orientações. Intitulado Serhumanoemfoco, o canal está ativo desde a pandemia, e entre os pacientes que procuram atendimento, estão vítimas de abuso sexual, que não conseguem conviver com os traumas físicos e mentais. A psicanalista defende que a discussão seja tratada de forma técnica, sem pressão e com a participação de especialistas. 

“Essa decisão pode criar um exército de crianças mães, agravando uma situação que já é lamentável. Criança não é mãe, criança não é culpada pelo abuso, criança não tem que carregar no corpo e na alma as marcas da violência praticada por um abusador. Precisamos ver crianças como crianças, e não podemos forçá-las a viverem algo que é para o tempo biológico deles. Essas crianças merecem respeito e preservação”.  

E é importante ressaltar que, pacientes em consulta, vítimas de estupro na infância, desenvolveram depressão, baixa autoestima, dificuldade na socialização, retrocesso na aprendizagem e no desenvolvimento, entre outros prejuízos. É urgente enxergar os prejuízos que são causados a essas vítimas, compreender que não se deve tratar a vítima como um criminoso, são essas meninas que sofrem em todos os aspectos. A vítima deve ser cuidada e preservada.


Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
KARINA DA SILVA SOUZA PINTO
[email protected]


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp