19/06/2024 às 23h00min - Atualizada em 20/06/2024 às 18h03min

São Paulo, a cidade de 50 mil habitantes sem nome e história

Na cidade de São Paulo, onde há aproximadamente mais de 50 mil pessoas em situação de rua, que são constantemente esquecidas, existem nomes, histórias e uma ajuda bem-vinda

Kathleen Caroline, Nicoly Santos e Pedro Menin
Acervo pessoal
Segundo o levantamento divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a capital paulista é a cidade com mais moradores de rua do país. Mas essas pessoas que se tornam invisíveis aos governos e aos transeuntes, têm um nome, uma história e um motivo para estarem sem abrigo nas ruas de uma das maiores metrópoles do mundo. Após uma série de entrevistas realizadas por nossa equipe, apresentaremos histórias por diferentes visões, de quem já esteve nessa situação e seus motivos e de quem faz o trabalho humanitário e leva ajuda e respeito a essa parte de pessoas esquecidas da cidade.
 
Eliana Toscano de Araújo, de 51 anos, é uma personagem dessa história. Sendo a caçula de três irmãos, Eliana cresceu na zona sul de São Paulo e teve uma família classe média, com acesso a uma educação de qualidade e sem maiores dificuldades. Logo aos 6 anos sua ligação com a rua começou, havia surgido uma mania, que era de pegar cachorros de rua e levá-los para casa, para tentar ajudá-los de alguma forma, durante a entrevista ela relata: "Quando eu tinha 6 anos de idade, eu tinha uma mania de recolher cachorro na rua e levar para casa, aí um dia eu fui infeliz no meu resgate e recolhi um cachorro muito doente e eu não sabia que ele estava com raiva e ele teve um surto no meu quintal. Minha mãe ficou desesperada e depois meu pai chegou e sumiu com o cachorro e depois falou comigo, que eu não poderia mais recolher cachorros da rua pra casa".
 
Dias depois ela tinha saído para comprar doces em uma loja próxima de sua casa e além dos doces acabou voltando para casa com uma mulher e um bebe que estavam em situação de rua: "Quando eu tô na porta da doceria, tinha uma moça com um neném no colo, e me disse que estava com fome e não tinha lugar pra ir, aí eu olhei pra ela e pensei, meu pai não deixa eu levar cachorro, então vou levar ela pra casa. Minha mãe quando me viu pensou, agora ela não traz mais cachorro, é gente. Ela ficou muito brava mas recepcionou a moça, deu comida. Lembro do bebe até hoje muito bonitinho, ai meu pai chegou, ela contou a história dela, que veio do Paraná, com proposta de trabalho, casa de família e que tinha dado tudo errado. Meu pai levou ela na rodoviária, comprou passagem e eles voltaram. Pra você ver a história tem mais de 40 anos e as coisas não mudam, a história de quem vai pra rua não muda"
 
Partindo de uma realidade estável, em que era possível até mesmo prestar auxílio ao próximo, a vida de Eliana seguiu caminhos que desencadearam uma situação de vulnerabilidade social. Aos 27 anos ela se viu desabrigada nas ruas da cidade em que não existe amor, dependendo da solidariedade de terceiros para suprir suas necessidades básicas. Encontrou na distribuição de marmitas acalento em forma de refeição, o que tirou a dor de sua fome foi também o que preencheu o vazio imensurável que é sentido apenas por quem já foi invisibilizado.
 
Uma das ações que atravessaram a vida de Araújo foi o trabalho realizado pela ONG "Anjos da Noite", que atua há mais de 34 anos na região central de São Paulo distribuindoalimento de qualidade para quem precisa. Idealizada por Kaká Ferreira, figura essa bastante conhecida pelas ruas da cidade, a ONG visa suprir não somente a necessidade de comida para o sustento do corpo, mas também alimentá-los na alma, por meio de um tratamento que devolve a dignidade daquelas pessoas.
 
Kaká Ferreira fundou o Anjos da Noite, sediada atualmente na zona leste de São Paulo, para ajudar os mais necessitados e levar até eles comida de qualidade. Em entrevista concedida aos jornalistas da Fapcom ele afirma que não é porque a população de rua não está pagando pela comida que merece receber qualquer coisa, uma das grandes preocupações de Kaká e sua equipe é fazer com que o morador de rua se sinta valorizado como um ser humano integrante da sociedade assim como todos os outros, ele conta que no começo chegou a distribuir formulários a POP (sigla para população de rua), questionando a qualidade de sua comida, se era satisfatória e o que poderia melhorar na visão deles, dando valor à opinião daqueles que por muitos são jogados às margens da sociedade.
 
Caminhando para a zona norte da cidade encontramos Maria Elena, uma senhora de 74 anos, formada em arquitetura e letras que presta assistência social não só a moradores de rua, mas a pessoas de baixa renda também. Ela não entrega marmitas, mas direciona pessoas interessadas em doar a ONGS, recebe doação em material e monetário para distribuir nas ruas e a quem precisa, entre outras coisas.
 
Assim como Kaká, existe uma grande preocupação de Maria Elena em oferecer roupas e comidas de qualidade a quem recebe. Procurada pela nossa equipe ela relata que entrega roupas com là hipoalergênica para as crianças e bebês que vivem nas ruas pois são sensíveis à materiais destinados a adultos, a pedidos dos moradores de rua ela leva livros dos mais diversos assuntos, investindo assim na educação deles e sempre que pode entrega croissants de chocolate, brigadeiro de chocolate de belga, pudins e outros tipo de comida que a POP não possui acesso, pois eles são seres humanos e devem ser valorizados como tal.
 
Em um momento da entrevista a arquiteta revela suas preocupações sobre consciência social também, em uma distribuição de bonecas com uma parceira, ela diz: "Eu quero uma boneca negra e eu quero uma boneca cor de café com leite, assim, chocolate", minha colega olhou pra mim e eu falei: "Como é que eu vou aparecer com boneca loirinha numa turma de negros? A menina não se identifica. Eu quero uma boneca alta, com a perna compridinha e magrinha, eu quero boneca baixinha e gordinha" ai eles olharam eu falei: "A menina que vê a boneca gordinha fala "olha, parece a minha mãe ou olha, eu sou assim". Porque as pessoas maltratam, todas as frustrações que a pessoa tem, ela descarrega no pobre que não pode responder e é obrigada a aguentar, ele é obrigado a receber o que você dá e falar "muito obrigado" e comigo isso não funciona, é proibido"
 
Trabalhos como este existem por todo o país, segundo o IBGE, até 2019 haviam cerca de 237 mil ONGS no Brasil, a região Sudeste é onde se concentra a maior parte dessas organizações: 48,3%. Entre as demais, 22,2% estão no Sul, 18,8% no Nordeste, 6,8% no Centro-Oeste e 3,9% no Norte. E esse assistencialismo da população se deve à histórica falta de funcionamento das políticas sociais dos órgãos governamentais responsáveis ao redor do território nacional. Como diria os cantores Cidinho e Doca na música "O que eu quero é ser feliz": "Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui." ou seja, a população se viu na posição de buscar alternativas para auxiliar a população, porque a cada 4 anos um novo governo entra e nada muda.

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NICOLY DOS SANTOS RODRIGUES
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