21/05/2024 às 16h44min - Atualizada em 22/05/2024 às 04h02min

Psico-oncologista orienta como contar à criança que ela tem câncer

Diálogo com o suporte de uma equipe multiprofissional, entendendo limitações, idade, fase de desenvolvimento e condição cognitiva do paciente, é fundamental para oferecer um amparo digno e compassivo

RAQUEL MORENO
Leo Salvo
“Nenhuma família está preparada para receber um diagnóstico de câncer, ainda mais quando se trata de uma criança. É um evento que impacta a vida de todos de forma direta ou indireta”. A afirmação da psico-oncologista pediátrica da Casa de Apoio Aura, Georgia Lavorato, que atende diariamente inúmeras famílias acolhidas pela ONG, acompanha outra dura realidade: as mortes evitáveis por câncer infantil em países de baixa e média renda são resultado de sub-diagnóstico, diagnósticos tardios ou incorretos, dificuldades de acesso a cuidados de saúde, abandono de tratamento, morte por toxicidade e maiores taxas de recorrência, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
 
“Ainda temos uma recorrência de diagnósticos tardios de câncer infantil, que em sua maioria chegam após incessantes buscas de alívio para os sintomas que tiram a criança de sua rotina. Nesse momento encontramos estados emocionais de ansiedade e muito estresse. O sofrimento e o luto já estão afetando a vida dessa criança e de seus familiares – pais, irmãos, avós... –, amigos e colegas de escola”, reflete a psico-oncologista pediátrica.
 
Quando o diagnóstico é definido, o desafio seguinte é ter uma conversa compassiva com a criança, considerando sua idade, origem, fase de desenvolvimento, condição cognitiva e relação familiar, com o objetivo de minimizar o risco de trazer ideias fantásticas para capacidades de compreensão concretas, como explica Georgia Lavorato.
 
“Existem pessoas que não conseguem nem pronunciar a palavra câncer. Os pais precisam do suporte de uma equipe multiprofissional para que a comunicação seja objetiva e na dose certa, apresentando aos poucos explicações e condições. O ambiente e o momento desse diálogo devem ser levados em conta para que a criança se sinta segura e amparada. Devemos lembrar que é ela quem está doente, em busca de respostas para um sofrimento que, em geral, é de muita dor. Portanto, é digno que ela receba a devida atenção, mas sempre considerando a sua capacidade de compreensão. O que ela tem, tem nome. O tratamento é invasivo, doloroso, longo e irá impactar toda a sua vida, portanto ela precisa ser amparada e assistida com dignidade e compaixão”, descreve.  

Georgia Lavorato, que também é paliativista, salienta que os pais ou responsáveis legais devem ser os primeiros a contar à criança que ela tem câncer. “Somente em casos em que haja conhecimento da dinâmica de comunicação da família que o médico poderá ser o primeiro a dar a notícia, com base nos princípios da bioética, e precisará se certificar que o menor de idade está apto e disposto a dialogar nessas circunstâncias”, orienta a profissional.
 
A escuta é a base de toda a comunicação e diante de uma situação tão difícil de lidar, é natural que a criança faça questionamentos. “É importante ter disponibilidade para ouvir as perguntas, sem forçar ou instigar a criança a falar algo, até mesmo porque ela precisa de um tempo. Os pais não devem se sentir obrigados a ter todas as respostas na ponta da língua; ser verdadeiro é essencial, então um ‘não sei te dizer, mas podemos procurar ajuda’ será valioso no pacto de confiança com o filho ou a filha. Brinquedo, atividades lúdicas, desenhos preferidos e músicas são boas estratégias no alívio de tensões. Mantenha o brincar com a criança em dia, isso será terapêutico”, sugere a psico-oncologista.
 
A morte é uma das indagações que podem surgir. “Em cada fase da vida compreendemos a morte de maneira distinta. Quando a criança pergunta ‘eu vou morrer?’, é provável que ela já tenha muitas hipóteses. Ela está em luto pelo seu adoecimento, por isso devemos ajudá-la a contextualizar seus pensamentos e suas emoções. O que ela necessita é de acolhimento, sem negar o que está sentindo, nem evitar falar no assunto. A psico-oncologia é extremamente importante nesse contexto, auxilia na atenção centrada no paciente oferecendo o acolhimento dessas angústias e facilitando a comunicação”, elucida Lavorato.
 
Georgia Lavorato reitera que os pais precisam estar bem orientados e apoiados para não se esquecerem que há uma criança em desenvolvimento, apesar da doença e de tudo que envolve o tratamento. “Estabelecer uma rotina saudável significa, principalmente, brincar com a criança. A atividade lúdica é tão terapêutica quanto o tratamento. Ler histórias, assistir a um desenho, colorir, pintar, participar da rotina da casa, garantir uma rotina de estudos e lazer, dentro do possível. Investir na relação afetiva, valorizando o tempo que compartilham juntos, com lucidez e esperança. Mas claro, é importante intervir nos momentos obscuros, aliviando dores e desconfortos, como náuseas, fadiga e febre. Os efeitos colaterais do tratamento oncológico podem indicar a necessidade de atendimento médico, às vezes, urgente”, finaliza.
  
Durante e depois do tratamento
 
O tratamento de câncer é uma experiência individual, que acarreta as mais diversas emoções, sentimentos e dores. Ainda assim, é fundamental explicar à criança sobre a jornada, como lembra a psico-oncologista pediátrica da Casa de Apoio Aura. “Primeiramente, precisamos certificar que os responsáveis pela criança estejam bem informados sobre tudo o que envolve o diagnóstico, tratamento e os cuidados. Já atendi muitas crianças que deram uma verdadeira aula sobre o seu tratamento, intervenções e sintomas, com um vocabulário altamente refinado e compreendido por elas. Contudo, quanto mais simples, verdadeira e objetiva forem dadas as informações, melhor. O “Beaba do Câncer” é um guia prático e descomplicado para auxiliar na compreensão de todo vocabulário da oncologia pediátrica, direcionado para paciente e familiares”, enumera.
 
O câncer infantil provoca mudanças de ordem psicossocial, como afirma Georgia Lavorato, por isso os espaços terapêuticos com grupos de familiares ajudam a identificar, acolher e intervir nas mais variadas demandas psíquicas e mentais. “Pais e cuidadores precisam de apoio psicológico num contexto privado, pois a dinâmica da família irá impactar na saúde da criança. As ações multidisciplinares irão minimizar expressões emocionais de grande impacto. É comum que os pais não queiram chorar na frente do filho, mas em alguns momentos isso é inevitável. Compartilhar essa emoção pode ser um ato solidário com a criança, que também necessita de amparo, de saber que não está só e que não deve se sentir constrangida em expressar seus sentimentos. Um choro contextualizado pode apaziguar angústias e evitar equívocos”, ilustra.
 
A confiança estabelecida na equipe multiprofissional durante o tratamento será de extrema importância no pós, que exige um acompanhamento com exames e consultas periódicas por até 10 anos, período de risco de recidivas.
 
“Restabelecer a saúde da criança acometida pelo câncer engloba cuidados de maneira integral. Boa alimentação, às vezes incluindo suplementação; apoio psicopedagógico no retorno à escola para que consiga acompanhar os conteúdos, ou adequação de conteúdos para os casos em que houve comprometimento cognitivo, limitações motoras ou funcionais; resgate de vínculos afetivos sociais; fisioterapia e fonoaudiologia podem ser demandadas. No retorno ao seio da família haverá um novo funcionamento, pois, juntas, atravessaram um longo período de um tratamento impactante. Isso indica um tipo de luto que pode demandar atenção especial para estados psíquicos que afetam o funcionamento saudável desses sujeitos”, orienta.

Sobre Casa de Apoio Aura
 
Fundada em 1998, a Casa de Apoio Aura acolhe pacientes de zero a 17 anos em tratamento de câncer, doenças hematológicas e em processo de transplante, e seus acompanhantes, vindos de diversas partes do Brasil. Sua equipe multidisciplinar de Enfermagem 24 horas, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Psicopedagogia, Serviço Social e Fonoaudiologia é constantemente incentivada à formação clínica. Juntam-se a esses profissionais cerca de 70 voluntários presentes nas atividades diárias da Aura.
 
A fachada da sua sede própria (rua José Lavarine, 100, bairro Paraíso, Belo Horizonte/MG), inaugurada em 2017, conta com pinturas de um grupo de artistas renomados da galeria QUARTOAMADO. A associação oferece condições adequadas de acolhimento com 32 quartos individuais para criança/adolescente e seu acompanhante, e acomodações diferenciadas para pós-transplantados, cinco refeições diárias nutricionalmente balanceadas para atender às necessidades específicas, bem como cesta básica e outros benefícios de acordo com a necessidade individual, e ainda espaço de estar e convívio e atividades de desenvolvimento educacional, cognitivo e social.
 
“A Aura se dedica para manter o clima positivo e alegre e garantir aos seus acolhidos o direito de ser criança, de brincar, de estudar, de passear. Oferecemos suporte educacional para os momentos de afastamento da escola, transporte para hospitais, centros de saúde e atividades programadas de lazer, auxílio na obtenção de benefícios sociais e documentos, mediação de psicólogo para que todos se sintam seguros e confortáveis para compartilhar a sua jornada”, descreve Marilda Eugênia de Souza e Santos, gerente social da instituição. 
 
A Casa desenvolve também ações para aquisição de próteses, órteses, cadeiras de rodas e outros itens necessários à saúde e reabilitação, e oficinas artesanais para ensinar e estimular atividades geradoras de renda e economia criativa.
 
A instituição é certificada pelo Selo PGT (Padrões em Gestão e Transparência), conhecido também como Selo Doar A+, e se mantém exclusivamente por meio de doações de pessoas físicas e parceiros, emendas impositivas e projetos para captação de recursos. Conta ainda com um bazar na própria sede, que ajuda diretamente na manutenção dos projetos e ações e funciona de segunda a sexta, das 13h às 16h.
 
Mais informações:
(31) 3282.1128 | aura.org.br | @casadeapoioaura
 
 

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RAQUEL GUIMARAES MORENO
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