14/08/2023 às 17h51min - Atualizada em 14/08/2023 às 20h06min

Não precisamos ser críticos a todo instante

Guilherme Pianezzer (*)

Valquiria Cristina da Silva Marchiori
Rodrigo Leal

Escrevo esse texto como um verdadeiro devaneio, na tentativa de arrancar inquietações da mente. Penso na construção histórica do Brasil após minha viagem à Bahia, que escancarou para mim a famosa discrepância social existente. A divisão entre ricos e pobres, homens e mulheres, pretos e brancos... Tudo isso se fortaleceu por ter viajado com três mulheres cujas realidades são muito distantes da minha. Professoras, dedicadas ao trabalho docente, que têm em comum histórias de vida sofridas, mas que perpetuam seus próprios sofrimentos devido à falta do principal valor que causa transformação social em cada um dos grupos que citei: educação. Educação no sentido do aprendizado dos costumes, na valorização do ensino formal, do aprendizado e discussão constante. "Não precisamos ser críticos a todo instante", me fala uma. Me deixa a pensar que devemos falar de assuntos triviais. Seria futebol, dado que sou homem? Seria dinheiro, dado que........? Mas se meu interesse é falar de matemática, economia, realidades sociais, filosofia, valores morais, costumes e religiões, por que devo me submeter a falar de outras coisas? Eu devo me submeter a falar das coisas que não gosto?

Nessa hora eu tenho vontade de chorar. Chorar porque detesto ser a pessoa que julga os outros. Sempre fui aquele que aprendeu com os outros. A pessoa que gosta de ouvir os outros porque todos têm muito a dizer. Porque nós aprendemos e crescemos com uma escuta sincera de falas que são verdadeiras. As conversas fúteis e sem significado, ditas para abrirem espaço à uma comunicação "saudável" entre estranhos, as escritas sem valor hoje robotizadas pelo ChatGPT, os padrões estéticos impostos sabe-se lá de onde; todo o teatro que permeia relações humanas que são forjadas. Tudo isso nos afasta de aprendermos verdadeiramente com os outros.

E que relações somos obrigados a vivenciar? Relações de trabalho que nos forçam a exercer determinado papel? Sem sentido, sem criticidade constante, no apelo de ser uma pessoa divertida, que brinca, ri, se diverte, de vivenciar o lúdico na hora do lúdico, a reflexão em sua hora. "Trabalho é trabalho, vida pessoal é outra coisa." Esse discurso é a fala que tira o empoderamento de cada um dos grupos marginalizados que citei. Vou explicar melhor isso.

Ver tantas igrejas católicas, ver os praticantes do Candomblé, ver a estátua do zumbi de Palmares, ver o sincretismo religioso nas ruas de Salvador me faz lembrar da minha formação em colégio jesuíta, em que adquiri um certo senso religioso que possuo até hoje. Um colégio particular e, portanto, voltado à elite curitibana. Marcado por valores religiosos e, acima de tudo, morais de uma religião que já foi dominante por muito tempo. E dominante por que? Não porque fala mais alto em um tempo que as mudanças não ocorrem mais na base do grito, embora a guerra na Ucrânia e a "solução" para a Cracolândia e tantos outros casos ainda ressaltam uma conquista envolvendo violência. Dominante porque pensa os costumes de uma forma não dogmática e que busca, politicamente, assumir posições de mudar o mundo. Afinal, a própria encíclica do Papa Francisco discute e chama a todos para colaborar em uma conversão ecológica global, uma mudança de paradigma que busca reduzir injustiças sociais. Uma religião que busca e buscou investigar as causas para a principal mazela social: a desigualdade que agrava as condições dos grupos marginalizados citados.

Mas eis o paradoxo que eu visualizei. É por discutir e pensar as condições sociais que a Igreja Católica se tornou dominante. Porque tenta assumir para si uma discussão que deveria ser de todos. E quando o faz, e quando ocupa o espaço público com uma leitura refinada, altamente letrada, conquista o espaço para si. Uma das queridas professoras, as quais irei me desculpar ao término do texto, me lembra outras religiões que tive um certo contato (mínimo), fortemente dogmáticos. Religiões que aparentemente não se preocupam em ocupar espaços públicos com discussões morais relevantes. Ao fazer isso, continuam de fora do processo transformador das realidades a longo prazo, sejam pessoas, sejam instituições: a educação a que citei.

Aqui já devo me retratar às queridas professoras que estiveram comigo. Afinal, como inclusive já chorei, não quero declará-las como mau educadas no sentido pejorativo da "falta de educação". Entendo o que estou dizendo no mesmo sentido que a Igreja Católica se coloca sob as demais. É não discutir e pensar nesses temas chatos que elas perpetuam as próprias injustiças que suas gerações anteriores passaram e que podem fadá-las ao mesmo caminho.

Essa reflexão, finalmente, me vem de uma lembrança que ouvi ao longo de minha formação como ser humano: pai, mãe, professores, família. Aqueles que tenho como referência de pessoas educadas, preocupadas intelectualmente com o porque das realidades do mundo. Mas pessoas que já não me falam mais as mesmas coisas, dado que já não estou mais em uma sala de aula como aluno. Não me entendem mais como aluno. E por pouco ouvir sobre isso me parece que agora preciso assumir esse papel. Deixar as inquietações para fora de mim, assim como eles fizeram. Exercer minha função social como o cara chato que pensa temas entediantes. Essa viagem para mim foi uma leitura da minha realidade de ser.

Ainda no avião, me lembro o quanto aprendemos com todos. Peço lanches a mais para poder entregar aos carentes, como uma das professoras faz. Aprendo a ter doçura, tendo um olhar de aconchego a quem até a gente não conhece, como uma segunda professora fez. E aprendo, questionando meus valores, me divirto, dou risada, me inquieto novamente, não porque a terceira professora o faz, mas porque me mostra em sua espontaneidade e diversão como o mundo pode ser divertido, mesmo com todas as mazelas sociais.

A todas vocês, um verdadeiro muito obrigado pela viagem.

(*) Guilherme Augusto Pianezzer é professor de Matemática e Física, mestre e doutor em Métodos Numéricos pela UFPR e professor-tutor dos cursos de Exatas do Centro Universitário Internacional Uninter.


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