19/08/2022 às 12h46min - Atualizada em 19/08/2022 às 12h40min

Pessoas com deficiência visual criam um mapa sensorial colaborativo em São Paulo e Sorocaba com o projeto artístico blind.wiki

Samantha di Khali
O objetivo do projeto artístico do artista catalão Antoni Abad - já realizado nas Bienais de Veneza e Berlim, e nas cidades de Wroclaw, Sydney e Roma - com foco em pessoas com deficiência visual, é a criação coletiva de um mapa sensorial, que reflete a percepção particular do espaço público por participantes cegos e com perda parcial de visão.
 
Um grupo animado invadiu na última quinta-feira (04) a feira livre da Vila Clementino, na capital paulista. Homens e mulheres uniformizados, com coletes amarelos, passearam pelas barracas de frutas e legumes com celulares nas mãos, relatando suas percepções sobre o local e as pessoas que ali estavam, visitando ou trabalhando. Até aí nada de tão diferente - especialmente em tempos de redes sociais. O que tornou a ação especial e chamou a atenção do público é que faziam parte desta turma, pessoas com deficiência visual, participantes do projeto cultural blind.wiki e da
Fundação Dorina Nowill para Cegos.
O projeto blind.wiki, criado pelo artista espanhol Antoni Abad, realiza rotas de mapeamento, com grupos organizados, que gravam suas percepções em um aplicativo instalado no celular. “Ele possui um importante acervo de experiências, opiniões e histórias, gerando uma cartografia criativa e colaborativa do que não é visível, criada em tempo real no site do projeto, à medida que os participantes postam suas próprias mensagens de áudio geolocalizadas”, explica Antoni Abad, que está no Brasil acompanhando todas as rotas.
Para Pamela Paola Girotto, 29 anos, bancária, a experiência com o blind.wiki foi sensacional. “Fiquei cega aos 24 anos por conta de uma crise de bronquite asmática que me fez convulsionar. Fiquem em coma por 14 dias e quando acordei não enxergava mais. A falta de ar fez romper uma veia no meu cérebro e agora estou me adaptando a uma nova realidade. Quando soube do projeto quis participar porque achei a ideia sensacional. Além disso, o aplicativo é bastante acessível e é muito interessante descobrir a percepção de outras pessoas, que estão na mesma situação que eu estou, sobre determinado lugar”, explica.
Alexsandro Batista dos Santos, 27 anos, chegou ao passeio acompanhado do pai. O rapaz também perdeu a visão há pouco tempo e está aprendendo a interagir com o mundo de uma maneira diferente. “Perdi a visão há 3 anos por conta de um descolamento de retina. Foi muito difícil este período. Minha vida parou de uma hora para outra. Fui dormir normal e acordei cego. Na época trabalhava no setor de RH de uma empresa. Hoje faço aulas de orientação e mobilidade na Fundação Dorina. Gostei muito de andar pela feira e falar sobre o movimento, o cheiro das frutas e especialmente da barraquinha de pastel. O blind.wiki ajuda bastante porque antes de você ir em algum ambiente pela primeira vez, você pode dar uma escutada ali e ouvir alguma dica ou recado de outra pessoa que já esteve mapeamento o local. De uma forma diferente as pessoas acabam ficando mais próximas. Querendo ou não, é só uma forma de áudio, mas dá para acolher bastante as pessoas”, explicou o jovem.
Para Abad, o que torna o BlindWiki especial é que ele é feito das transmissões dos participantes, daquilo que eles decidem dizer e gravar. “Não sou eu quem decide o que o blind.wiki deve ser. Eu não sou cego, então eu não posso saber qual é a percepção deles. Se o resultado for prático, será porque este grupo falou muito da acessibilidade. Particularmente eu prefiro quando eles falam da percepção do espaço público, porque é mais interessante para mim. Mas eu acho que a arte está em ativar, ou conseguir ativar comunidades criativas. A única coisa que eu decidi e fiz, foi criar uma plataforma para que as pessoas utilizem como eles quiserem”, explicou, se recordando de áudios gravados em uma edição da blind.wiki em Sídney, quando um dos participantes percorreu uma rota gravando piadas para que o amigo escutasse quando passasse por lá mais tarde. “Na Itália, durante a Bienal de Veneza, os participantes falavam muito, também de acessibilidade, mas falavam bastante também sobre suas percepções e aquilo no final era muito poético”.
Edições do blind.wiki na Bienal de Veneza (2017), Bienal de Berlim (2016) e nas cidades de Wroclaw (2016), Sydney e Roma (2015), foram principalmente dedicadas à percepção sensorial da cidade, arte e cultura e acessibilidade urbana e deram muito certo.
Para Carlos Alberto Gonçalves da Silva, 57 anos que participou do blind.wiki, juntamente a esposa, estar neste projeto artístico é uma chance de exercer sua acessibilidade cultural. “Foi muito bom ativar essa sensibilidade de perceber situações que eu achei que não seria possível. ´É muito  bom poder divulgar de uma maneira muito prática pontos que a gente vive no dia a dia. Acho muito legal a ideia de todo mundo poder acessar e escutar o seu áudio de qualquer lugar do mundo. Um mundo todo conectado e interagindo de alguma forma”, finalizou.
Os participantes do blind.wiki foram pessoas cegas, com baixa visão, ou até mesmo videntes, interessadas na acessibilidade e nos processos de criação coletiva.
Blind.wiki contou com o apoio da Secretaria da Cultura da Cidade de São Paulo, Proac, Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Sesc, Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM, Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba - MACS, Japan House São Paulo, Centro Cultural São Paulo, Instituto Moreira Salles-IMS, Fundação Dorina Nowill, Laramara Associação Brasileira de Assistência à pessoa com deficiência visual, Amigos da Biblioteca Louis Braille, Embaixada da Espanha, Consulado Geral da Espanha em São Paulo, Instituto Cervantes e Restaurante Pobre Juan.
           
 
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