21/05/2024 às 16h49min - Atualizada em 22/05/2024 às 04h05min

Enchentes no Rio Grande do Sul: tragédia ou negligência?

*Aline Mara Gumz Eberspacher

MARINA OLIVEIRA
Rodrigo Leal

Nos últimos dias, o estado do Rio Grande do Sul tem enfrentado uma das piores crises naturais de sua história recente: as enchentes que assolaram diversas cidades, deixaram um rastro de destruição e um número alarmante de mortos.  

A tragédia já causou pelo menos uma centena de óbitos, além de cerca de 130 pessoas que seguem desaparecidas e pelos menos 374 feridos, de acordo com informações da Defesa Civil. As chuvas afetaram mais de 1,4 milhão de pessoas em mais de 85% dos municípios gaúchos. Desabrigados já são mais de 395 mil. Destes, quase 70 mil buscam refúgio em abrigos temporários. Como o volume de água do Guaíba oscila, a situação ainda é crítica, e o sentimento de aflição e insegurança ainda atinge os gaúchos.   

Apesar de as enchentes no Rio Grande do Sul não serem um fenômeno novo, a magnitude e a letalidade deste último evento lançam luz sobre as falhas contínuas na gestão de desastres e no planejamento urbano. Em 1941, Porto Alegre sofreu uma enchente histórica, que durou 22 dias e deixou mais de 70 mil desabrigados. Número expressivo para a época, já que a capital gaúcha tinha aproximadamente 272 mil habitantes. Em setembro de 2023, Porto Alegre foi novamente surpreendida, dessa vez, por um ciclone causando um desastre ambiental que vitimou mais de 50 pessoas. 

É fato que algumas tragédias ambientais são inevitáveis e imprevisíveis. Entretanto, é impossível não notar o descaso e a negligência do poder público na prevenção de gravidades e extensão dos danos. Após a tragédia, em entrevista ao site Poder360, Eduardo Assad, pesquisador sobre mudanças climáticas no Brasil, relatou que há pelo menos 30 anos cientistas brasileiros alertam para os riscos extremos climáticos, como as ondas de calor e inundação.  

Em 2015, o Governo Federal solicitou um relatório denominado “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, que apresentou projeções dramáticas para o futuro. Entre elas, mortes por ondas de calor, secas no Nordeste, falta de água no Sudeste e aumento das chuvas no Sul. O conteúdo alarmante do relatório exigia dos governantes ações preventivas de logo prazo. O documento, no entanto, foi engavetado, esquecido e ignorado.

Além disso, há uma clara falta de investimento em infraestrutura de drenagem e controle de enchentes. A prefeitura de Porto Alegre cortou verbas de prevenção contra as enchentes em 2023. Em entrevista para Revista Fórum, Augusto Damiani, ex-diretor do Departamento de Esgoto Pluviais de Porto Alegre, afirmou que há falhas no sistema de manutenção. Na enchente de setembro de 2023 já houve dificuldades para fechar as comportas. Segundo ele, esse descaso da prefeitura ocorre desde 2017, colocando a drenagem de Porto Alegre a serviço de interesses comerciais. 

Soma-se a isso que muitas das áreas afetadas são conhecidas por sua vulnerabilidade às cheias, mas medidas preventivas adequadas nunca foram implementadas ou foram insuficientes para lidar com as condições extremas. A urbanização descontrolada, sem considerar os impactos ambientais e as características naturais do terreno, só agrava essa situação.

Poucos dias antes do início das chuvas que afligiram o Rio Grande do Sul, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou ao governador um ofício com um título, no mínimo, incomum: “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado”, seguido pelo subtítulo que dizia: “Registro para fins de tomada de conhecimento sobre alertas emitidos há várias décadas”.

Por fim, a resposta das autoridades frente ao desastre também foi inadequada e descoordenada. A falta de planos de evacuação eficazes e de sistemas de alerta precoce deixaram as comunidades despreparadas para lidar com a rápida elevação das águas. As equipes de resgate e os recursos de emergência ficaram sobrecarregados, resultando em atrasos cruciais no socorro às vítimas. A ausência de um plano de contingência abrangente reflete a falta de prioridade dada à gestão de desastres por parte do governo municipal e estadual.

Embora o mundo esteja vivendo uma crise climática, não podemos negligenciar que ações preventivas do poder público poderiam reduzir sensivelmente a tragédia e as mortes no estado.  Diante desse quadro, é imperativo que o poder público assuma sua responsabilidade e tome medidas concretas para prevenir futuros desastres, protegendo seus municípios e sua população. Para isso, é necessário investir em infraestrutura, atuando estrategicamente a longo prazo. É importante o governante pensar no futuro, não somente atuando em ações que ofereçam visibilidade para garantir votos ao final do mandato.  

Em última análise, as enchentes no Rio Grande do Sul representam não apenas uma tragédia humana, mas também um lembrete doloroso da importância da ação preventiva e da necessidade de uma liderança responsável. Não podemos mais nos dar ao luxo de negligenciar a segurança e o bem-estar de nossas comunidades em face das crescentes ameaças climáticas por falta de prevenção. A hora de agir é agora. 

*Aline Mara Gumz Eberspacher é Doutora em Sociologia pela Université Paul Valéry, Montpellier, França, e Coordenadora de cursos de pós-graduação no Centro Universitário Internacional Uninter.

 


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MARINA DE OLIVEIRA PIMENTEL
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