11/04/2024 às 17h39min - Atualizada em 11/04/2024 às 20h09min

Locações comerciais e a Lei da Liberdade Econômica

Murilo do Carmo Janelli
Foto: Francisco dos Santos Dias Bloch

Francisco dos Santos Dias Bloch*

 

A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) estabeleceu normas que criam presunção de paridade e simetria entre os contratantes, em se tratando de contratos empresariais, considerando as alterações estabelecidas nos artigos 421 (parágrafo único) e 421-A do Código Civil.  E o Projeto do Novo Código Civil segue a mesma tendência, preservando as modificações trazidas pelo legislador em 2019, tais como os princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade na revisão judicial dos contratos.

 

Os Tribunais brasileiros frequentemente têm aplicado as novas normas aos contratos de locação comercial . Resta, entretanto, verificar a possibilidade de aplicação da Lei da Liberdade Econômica em tais situações, considerando a regulamentação das locações comerciais pela Lei 8.245/91, a Lei do Inquilinato.

 

Neste contexto, é necessário estabelecer que a liberdade contratual, muitas vezes relativizada nos Tribunais, consiste em prerrogativa inerente à livre iniciativa, positivada nos artigos 1.º, inciso IV 170, “caput” da Constituição Federal. Há outros direitos e prerrogativas a serem defendidos com base na Constituição, todavia, no que diz respeito aos contratos de locação comercial, especialmente a função social da propriedade.

 

É relevante, assim, verificar se aplicam-se a tais contratos as regras e princípios estabelecidos nos artigos 421 e 421-A do Código Civil: é sobre este assunto que trataremos nas próximas linhas.

O contrato de locação de imóvel urbano, e em particular o contrato de locação de imóvel urbano para fins comerciais, é regulamentado pela Lei 8.245/91, a Lei do Inquilinato. Conforme o artigo 79 daquela norma, o Código Civil e o Código de Processo Civil aplicam-se às relações locatícias apenas em caráter subsidiário, quando não houver regra específica no texto legal pertinente.

 

Mais relevante para o tema sob análise, todavia, é o texto do artigo 45 da Lei 8.245/91: segundo referido artigo de lei, “São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”.

 

A primeira parte do texto estabelece que “são nulas de pleno direito” as cláusulas dos contratos de locação que visem a elidir, ou afastar, “os objetivos da presente lei”. Entre estas cláusulas nulas – ou seja, apenas em caráter exemplificativo – são apontadas certas disposições contratuais inadmissíveis, como aquelas que afastem o direito à ação renovatória de locação comercial, prevista no artigo 51 da norma, ou imponham obrigações em dinheiro para o manejo daquela ação.

 

A análise atenta dos artigos 45 e 79 da Lei do Inquilinato permite concluir o seguinte:

 

1 – A Lei 8.245/91 é norma de caráter principiológico, na medida em que possui certos objetivos a serem levados em conta quando de sua interpretação e aplicação.

 

2 – A Lei 8.245/91 veicula normas e regras de ordem pública, capazes de afastar do sistema jurídico, por vício de nulidade absoluta (insanável), as disposições contratuais que as ofendam.

 

3 – O Código Civil aplica-se às locações comerciais apenas em caráter subsidiário, quando determinada situação não for expressamente regulamentada pela Lei do Inquilinato.

 

As conclusões acima são extremamente relevantes ao analisar as normas trazidas pela Lei da Liberdade Econômica ao Código Civil, assim como a possibilidade de sua eventual aplicação às locações comerciais.

 

Já se confirmou que o Código Civil aplica-se somente em caráter subsidiário aos contratos de locação comercial. A questão que se põe, todavia, é a seguinte: esta aplicação subsidiária deverá obedecer a quais princípios, a quais normas principiológicas? Existe, afinal, presunção de paridade e simetria nestes contratos?

 

A Lei do Inquilinato estabelece deveres ao locador (artigo 22) e ao locatário (artigo 23), além de positivar diversas normas de caráter material. Também estabelece normas de caráter processual referentes às assim denominadas “ações locatícias” (ações de despejo, revisionais de aluguel, renovatórias de locação comercial, e consignatórias de aluguel e valores) (artigo 58).

 

Considerando, todavia, os objetivos da Lei 8.245/91, assim como o teor das normas por ela positivadas, entendemos que não é possível falar em presunção de paridade ou simetria nos contratos de locação comercial, existindo verdadeira exceção ao disposto no artigo 421-A do Código Civil. Tampouco é possível afirmar que aplicam-se os princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual em tais negócios jurídicos, tal como expostos no parágrafo único do artigo 421 do referido texto legal.

 

E isto ocorre porque a Lei do Inquilinato não trata locador e locatário como iguais, protegendo de forma expressa os interesses do inquilino tanto em situações gerais, aplicáveis a toda espécie de locação, quanto em situações específicas, aplicáveis somente às locações comerciais.

 

A título de exemplo, cabe apenas ao inquilino demandar a renovação compulsória do contrato de locação comercial (artigo 51) ; e cabe apenas ao inquilino o direito potestativo de resilir a locação durante a vigência do contrato , ao mesmo tempo em que o texto legal proíbe ao locador a retomada do imóvel durante aquele prazo (artigo 4.º) . Ainda, o locatário, em ação de despejo por falta de pagamento, pode afastar a mora e preservar a relação contratual depositando em juízo o valor exigido (artigo 62, inciso I).

 

É possível concluir, assim, que os “objetivos da presente lei”, aludidos no artigo 45 da Lei 8.245/91, incluem a criação de um regime jurídico específico capaz de proteger os interesses do inquilino em face do locador. E este regime protetivo, a nosso ver, é incompatível com a presunção de paridade e simetria prevista para os contratos empresariais estabelecidos no artigo 421-A do Código Civil, e com os princípios estabelecidos no parágrafo único do artigo 421.

 

Ainda, e neste contexto, o próprio “caput” do artigo 421-A do Código Civil lança uma pá de cal sobre o assunto, ao estabelecer que “Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais (...)”.

 

A rigor, e em nosso entender, a simples existência de lei específica regulamentando determinada espécie de contrato empresarial afasta a presunção de paridade e simetria prevista no Código Civil, mesmo conforme o texto supra mencionado, dado que a presunção é afastada quando existem “regimes jurídicos previstos em lei especial”. E a exceção legal faz sentido: se o legislador entendeu pela necessidade de criar um regime jurídico para regular determinada espécie de contrato empresarial, é bastante claro que inexiste paridade e simetria entre os contratantes.

 

Concluímos, assim, que a presunção de paridade e simetria, assim como as regras e princípios positivados nos artigos 421, parágrafo único e 421-A do Código Civil, não se aplicam às locações comerciais, seja com base na exceção prevista na parte final do “caput” do próprio artigo 421-A, seja com base na incompatibilidade de regimes jurídicos em face da Lei 8.245/91.

 

*Francisco dos Santos Dias Bloch é mestre e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É advogado formado pela PUC/SP e atua em São Paulo, no escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Contencioso Cível e Direito Imobiliário.


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