04/09/2023 às 11h50min - Atualizada em 05/09/2023 às 00h02min

Estudo pela Abrale aponta que material didático do Governo de São Paulo seria reprovado no PNLD

Documento crítico, com 94 páginas, foi elaborado por equipe de educadores da Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos, nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, Ciências e Arte

Fausto Cabral
Slide da Seduc ensina que a cidade de SP tem praia
Uma análise crítica e aprofundada do material didático produzido pelo governo do Estado de São Paulo realizada pela Abrale - Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos, aponta que o conteúdo produzido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc) traz uma série de graves erros e informações equivocadas, que podem prejudicar o ensino de milhares de estudantes da rede pública de São Paulo.

O documento, contendo de 94 páginas (anexo), traz um resultado no mínimo constrangedor para uma pasta de Educação: “o material é raso, superficial, enfadonho e prejudicial à formação da cidadania”, afirma a Maria Cecília Condeixa, presidente da Abrale. Ela vai além: “certamente este material seria reprovado pela banca examinadora que avalia os livros didáticos no PNLD Programa Nacional de Livros Didáticos), por infringir várias das exigências do edital do MEC. Resumindo: o conteúdo deseduca e é completamente inadequado”.

Mas em quais aspectos este material da Seduc apresenta graves erros e inadequações? Com a finalidade de investigar estas questões, a Abrale reuniu uma força tarefa com 12 educadores-autores, coordenada por sua presidente, tendo em mãos centenas de slides dirigidos às aulas de segundo bimestre do 6º ano, que correspondem a cerca de um mês de aulas nas disciplinas Língua Portuguesa, Arte, Matemática, Ciências e Geografia.

Material não editável - Dentre as análises apontadas pelo estudo está o fato de que desde abril de 2023 os docentes da rede estadual de educação recebem conteúdos didáticos em formato PDF, portanto não editáveis, contrariando a afirmação do próprio secretário estadual da educação, Renato Feder, na ocasião do lançamento do material. Como consequência, os materiais só estão adequados para funcionar como roteiros de aulas expositivas padronizadas, não dão a chance para outras estratégias didáticas e desconsideram a necessidade de o docente atender às especificidades da turma.

Nesta didática oferecida via slides, os analistas são unânimes: “o material é enfadonho, maçante, feito a partir de um mesmo modelo ou template”. Desta maneira, todos os slides são parecidos, as sequências são idênticas e os problemas encontrados bastante semelhantes. “É lamentável imaginar esse/essa estudante subjugado/a ao enfado e enfaro de materiais expositivos repetitivos (e repletos de erros, como veremos) em substituição a livros”, afirma a equipe de profissionais da Abrale.

Língua Portuguesa
No material a que os educadores da Abrale tiveram acesso, foi possível constatar que, na disciplina de Língua Portuguesa, o conteúdo apresenta diversos problemas, tais como textos em grande parte inventados, artificiais, sem uma função específica, ou adaptados, com o objetivo claro de simplificar ao máximo as atividades.

Além disso, há conduções pedagógicas pouco claras e confusas em relação a regras de acentuação e não há qualquer preocupação com a integração dos eixos básicos da disciplina: leitura, oralidade, análise linguística/semiótica.

Nas raras ocasiões em que há um trabalho com oralidade, ele é superficial, sem observar as exigências da BNCC - Base Nacional Comum Curricular quanto a fluência, entonação, altura de voz etc. A conclusão é de que o material está repleto de fragmentação dos conteúdos, erros conceituais, superficialidade de informações, repertório textual fraco e não representativo, textos artificiais, aulas expositivas, visão equivocada do que seja o digital, baixa qualidade editorial, visão tecnicista, entre outros graves problemas.

Arte
De acordo com a BNCC, as unidades temáticas da Arte são cinco: Artes Visuais, Música, Dança, Teatro e Artes Integradas. Porém, de acordo com a análise da Abrale do material da Seduc, as Artes Integradas não são contempladas ou mesmo nomeadas como tal. No 2º bimestre do 6º ano, por exemplo, o conteúdo propõe o trabalho com a Dança Folclórica, termo em desuso nos estudos da Cultura, sendo “Danças Tradicionais Brasileiras” o termo correto.

A criatividade é outro aspecto presente na BNCC e que o material não cumpre: para desenvolver essa capacidade, é preciso vivenciar arte, experimentar, pôr a mão na massa. Ao privilegiar uma didática claramente conteudista, com mais da metade dos slides de cada aula com conteúdos enciclopédicos sobre arte, a criatividade não é estimulada.

Matemática
O material digital de Matemática ofertado pela Seduc é constituído por 48 arquivos em PowerPoint, cada um deles correspondendo a uma aula. Em geral, cada arquivo é formado por um conjunto de 15 a 20 slides, muitos deles com erros que, somados, podem causar enorme prejuízo no aprendizado.

“Há um slide, por exemplo, em que a figura do enunciado não traz informação suficiente para que se possa responder ao que é pedido, ao mesmo tempo em que a resolução usa um dado não informado no enunciado”, informa a Abrale. Em outro slide há a expressão “um número de base 10”, quando o correto seria “uma potência de base 10”. O material também traz equívocos conceituais, como utilizar a palavra “circunferência”, ao invés de “círculo”.

A Abrale aponta ainda outro slide que classificam como “uma hipotética situação surreal”. O exemplo de um menino que estudou durante 18 horas e uma a menina durante 20 horas. “Nesse aspecto, observa-se um conjunto de descuidos, erros, equívocos, deslizes e inadequações em número tão excessivo que não se pode permitir o uso desse material em sala de aula. Na quase totalidade dos arquivos analisados, encontram-se frases mal construídas, de sentido duvidoso. A maioria delas indica falta de revisão e falta de prática do(s) autor(es) na produção de material didático ou simplesmente de textos escritos”, enfatiza a Abrale.

Geografia
O formato apresentado pelo material induz à condução, por parte do professor, de uma metodologia de aula expositiva dos conteúdos, já que traz apenas a definição de conceitos, deixando de analisar os processos, não permitindo a reflexão e o exercício de síntese por parte dos estudantes.

Esta metodologia é incoerente com as bases teórico-metodológicas do próprio Currículo Paulista, documento que destaca o professor como mediador no processo ensino-aprendizagem e as metodologias ativas como caminhos para o fortalecimento do ensino de Geografia.

Outro ponto grave apontado é que, em diversos momentos, os textos apresentaram-se como cópias de sites de pesquisa escolar, de mídias jornalísticas ou ainda de textos acadêmicos encontrados na internet, sendo que, em muitos slides, quando apresentados como citações, não trazem a fonte de onde foram extraídos. O material também apresenta imagens com erros conceituais, ausência de elementos cartográficos, falta de legibilidade e termos em inglês.

Ciências
O material de Ciências também apresenta diversas informações equivocadas. Dentre elas, a afirmação “os seres vivos também se reproduzem para aumentar e perpetuar o número de indivíduos de uma espécie” contém dois erros. Um deles é o uso da linguagem finalista, que causa a impressão de que há intencionalidade nas atividades do ser vivo, ponto de vista contrário à Teoria da evolução, que embasa as Ciências Biológicas.

O segundo erro é ignorar a dinâmica dos ecossistemas, de modo que aumento ou redução das populações (número de indivíduos) não ocorre exclusivamente pela dinâmica de uma espécie isolada. Desta maneira, a terceira afirmação nesse slide deveria ser: Os seres vivos podem se reproduzir, o que permite nascimento de novos indivíduos e a perpetuação das espécies. Outro equívoco grave do material é afirmar que “os seres vivos necessitam dos seres não vivos para viverem”. Não há seres não vivos. Segundo o dicionário Houaiss, um ser é qualquer ente vivo. Em ciências os elementos não vivos são denominados componentes do meio físico.

O resultado, na avaliação da equipe da Abrale é que o material de Ciências traz um acúmulo de erros terminológicos, conceituais e de revisão textual. O foco do ensino está apenas na memorização de conceitos e esquemas, de modo que o resultado será devastador porque estudantes aprenderão erros.

Conclusão
Para a Abrale, diante de tantos equívocos apresentados nestes conteúdos, a conclusão da análise é enfática: “É inconcebível a permanência desse material em sala de aula, deformando a visão de mundo e a capacidade de continuar aprendendo de nossos estudantes, submetendo professores a corrigir textos incompreensíveis ou mesmo bizarros. Com certeza, um desvio na história da Seduc, que já viveu dias melhores”.

Abrale: https://abrale.org/ 

Este conteúdo foi distribuído pela plataforma SALA DA NOTÍCIA e elaborado/criado pelo Assessor(a):
U | U
U


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp