11/05/2023 às 15h33min - Atualizada em 12/05/2023 às 00h00min

Dilemas das mulheres executivas ao encarar a maternidade

Andreia Girardini*

SALA DA NOTÍCIA Andreia Girardini
 

E o relógio da mulher dispara, é chegado à porta dos 40 anos de idade, os últimos 18, 20 anos dedicados com muito afinco a sua carreira profissional, que precisou ser construída do zero com uma abnegação incansável. Para nós, ter essa idade é correr contra o tempo, sendo uma executiva de empresa é fazer isso duas vezes. 

 

A vida nem sempre nos prepara para ser mãe ou conseguimos colocar em nossas agendas “esse ano eu vou engravidar”. Por mais que as mulheres tenham alcançado maior espaço, ainda hoje não representam 30% do quadro de executivos dentro de grandes empresas, quando falamos de CEOs esse número é ainda menor. O que vemos são mulheres que têm sonhos de ser mãe, de ter aquele amor incondicional, de conseguir amamentar uma criança enquanto analisa uma planilha, e por que não? Somos mulheres, a vida inteira fomos condicionadas a ter de fazer mais, atuando em diversas frentes ao mesmo tempo, na maioria das vezes. 

 

Em uma pesquisa realizada pela empresa Hewlett-Packard em 2014, apontou-se que as mulheres têm uma tendência maior a se candidatarem a novos cargos apenas quando se sentem qualificadas em relação a 100% dos pré-requisitos, enquanto os homens são mais propensos a se candidatar mesmo quando atendem apenas a 60%. Essa diferença pode ser atribuída a vários fatores, incluindo as expectativas sociais em relação aos papéis de gênero e as diferenças nas experiências de vida e no contexto em que homens e mulheres crescem. No entanto, essa disparidade pode ter um impacto significativo na diversidade e na inclusão dentro de uma organização, pois as mulheres podem estar perdendo oportunidades de crescimento profissional por se subestimar e não se candidatarem a posições para as quais são qualificadas.

 

Homem não menstrua, não tem tpm, não engravida ou carrega dentro de si uma criança por nove meses. Não precisam tirar quatro meses de licença em seu momento mais vulnerável, que é ter em seus braços o sonho que sempre foi de ser mãe, de construir o futuro de uma criança e de passar seus valores para aquele ser que depende unicamente de você.

 

Ser mãe, e olhar o relógio aos 38, 40 anos de idade, faz com que você comece a tomar decisões que 10, 15 anos antes não pesaria tanto como nesse momento. Mesmo que as coisas tenham mudado, quem é que acorda às quatro da manhã para amamentar? Quem troca fralda ou quem acaba sendo o exemplo para a criança? Muitas empresas já estendem a licença paternidade para 20 dias e isso é muito importante, pois esses primeiros dias são cruciais na vida da mulher. 

 

Ser mãe e executiva é ser julgada o tempo todo. O que as empresas ainda não assimilaram é que, por mais que seja um trabalho, não é a vida. Vida é a felicidade das pessoas que te cercam, é ter os filhos crescendo com mães e pais presentes. Estudos da Inglaterra publicados pelo WGSN mostram que apenas naquele país, existem mais de 35 tipos de familia, entre elas famílias monoparentais, reconstituídas, casais do mesmo sexo, famílias multigeracionais e muitas outras. Então quando falamos em ser mãe, não é apenas gerar mas também adotar com amor incondicional uma criança que não foi colocada no mundo por você. 

 

Sou um pouco do reflexo de uma geração que teve um estigma muito grande em ser mulher, executiva e mãe. Trazemos conosco o medo de ser julgada, de ficar pra trás, de não ser aceita, de trabalhar até às três horas da manhã e não poder dar o amor e atenção que sempre quisemos a um filho. Ser mãe é olhar para nosso relógio biológico e entender que aos 40, 50 não teremos a mesma energia que tínhamos aos 25, 30 anos. Ser mãe e ser executiva é aceitar que será julgada o tempo inteiro por aquilo que você entrega e deixa de entregar, mas não por todas as outras tarefas que vem atrás disso.

 

De uma forma geral, as empresas ainda possuem cerca de  75% de homens brancos héteros nos cargos de chefia e por quê? Muitas vezes ao lado deles, existem mulheres que fazem tudo sozinhas em casa ou com ajuda de outras mulheres como babás e  empregadas domésticas. Nós não temos esse privilégio, somos cobradas, além das demandas de nossos trabalhos, por sermos exemplos de conduta familiar. Eu sei que esse modelo vem mudando, mas quando saímos das grandes metrópoles a situação ainda é muito distante do ideal. 

 

As ditas transformações, foram provocadas pelo comportamento de nós mesmas. Sabemos que hoje várias empresas já possuem sala e horário de amamentação, creche, principalmente quando falamos da indústria, para citarmos como exemplo. Acredito que ao mostrar nossa inteligência e talento, conquistamos esse espaço, o estigma ainda existe mas tem tido uma grande virada com relação a isso. Em estudo realizado em 2019 pela empresa de pesquisa de mercado Grant Thornton, descobrimos que as empresas com mulheres ocupando cargos de liderança tendem a ter uma maior taxa de crescimento em relação às empresas com chefias compostas apenas por homens. Hoje saímos de casa e conseguimos ter dinheiro para ter apoio necessário para conciliar a carreira e a vida doméstica.   

 

O maior aprendizado para as  lideranças é ter empatia. Aprendemos que para sermos bons líderes e boas empresas, precisamos entender que a vida do outro não é apenas o trabalho. É isso que as companhias devem absorver, se temos uma pessoa mais feliz porque a empresa consegue facilitar sua vida, com certeza teremos um retorno e um engajamento maior. 

 

Em um país ideal, não precisaríamos da Lei nº 11.770/2008, conhecida como a Lei da Licença Maternidade, que estabelece os direitos e benefícios da licença maternidade para as trabalhadoras brasileiras. Aqui no mundo real, com o século XXI a todo vapor, o que deve ser feito? Precisamos criar um ambiente interno para as mães de nossas empresas. Estamos falando de mulheres com carreiras, desejos e trajetórias de vida únicas e precisamos conhecer de perto essas pessoas, quantas elas são, qual a média de idade de seus filhos, suas necessidades. Já se perguntaram se os benefícios que a empresa oferece as atende? Será que ao invés daquele combo padrão não seria melhor um cartão alimentação ou vale fralda?

 

As empresas não sabem porque não perguntam. Devemos questionar nosso nicho de pessoas o que elas precisam, porque às vezes os gestores não sabem, talvez porque não tiveram a experiência. Ouçam seu público interno, o que serve para grandes corporações talvez não sirva para sua empresa. Pode ser que sua organização não seja uma referência de mercado, mas precisamos ser referência para nossos colaboradores, ai fazemos a diferença. Por exemplo: além dos quatro meses de licença maternidade obrigatórios por lei, será que a funcionária não pode trabalhar dois meses em casa até a criança ter mais imunidade para ir a creche ou a substituição do vale refeição por vale leite em pó? Óbvio que quanto maior a companhia maior a dificuldade, mas ao mesmo tempo, temos melhores dados para agir na causa raiz. Em suma, as empresas têm olhado para isso mas muitas delas seguem apenas tendências, será que funciona? Há muito a ser melhorado nas corporações, muitas vezes suas construções são baseadas em teorias e não em dados.

 

É evidente a importância de refletirmos sobre a necessidade de mudanças na cultura empresarial para que a inclusão das mulheres no mercado de trabalho seja promovida. Além disso, muitas vezes a maternidade é vista como um obstáculo para as mulheres em suas carreiras, o que pode ser um desafio para aquelas que desejam ser mães e executivas ao mesmo tempo. As empresas precisam compreender que a maternidade não é um empecilho para as mulheres, mas sim uma escolha e uma parte importantíssima da vida delas. É fundamental que haja mais flexibilidade e compreensão para que nós possamos conciliar esses dois papéis de maneira equilibrada e satisfatória.

 

*Andreia Girardini - Diretora de Pessoas e Cultura no GetNinjas


 
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