01/05/2023 às 19h23min - Atualizada em 02/05/2023 às 16h07min

Holocausto é tema de peça, debate e filmes do projeto Rita Braun Vive, idealizado por Célia Terpins

Dirigido por Kiko Marques, espetáculo Cinco Poemas para a Senhora R reúne Denise Weinberg, Mauro Schames, Paula Ravache e o músico Bruno Menegatti . Estreia dia 3 de maio na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

SALA DA NOTÍCIA maria fernanda teixeira
Ronaldo Gutierrez
Cinco poemas para a senhora R é um espetáculo que revisita parte da história de Rita Braun, judia polonesa que sobreviveu ao holocausto, uma das últimas testemunhas vivas desse período, e que vive em São Paulo com a família desde 1946. Ele acontece na forma de cinco poemas cênicos, criados a partir dos relatos de Rita contidos em seu livro de memórias, de entrevistas gravadas ao longo de sua vida e de depoimentos dos familiares; também de uma parte ficcional, criada a partir das histórias, pensamentos e vivência dos intérpretes e de toda a equipe de criação que participou ativamente do processo de construção da dramaturgia e do espetáculo.

Assim a dramaturgia e a encenação aproximam o espectador do universo presente na história de Rita, em sua luta pela sobrevivência, ao lado de sua mãe, durante a segunda grande guerra, na Polônia e também os conecta com os dias de hoje e as pessoas que somos, nossas posturas e condutas. A peça propõe um olhar ao mesmo tempo indignado e crítico sobre esse episódio da história, suas reverberações e espelhamentos nos dias de hoje, na tentativa de manter viva e forte essa memória tão necessária; e ao mesmo tempo levantar hipóteses de entendimento e resistência às atitudes impensáveis que nós, seres humanos, em algumas situações e tempos, somos capazes de tomar.

Uma peça que ao mesmo tempo emociona e instiga à reflexão.
Sobre Rita Braun

Rita Braun nasceu em 1930, em Cracóvia, Polônia, numa tradicional família judaica. Teve uma infância feliz, onde aprendeu a dançar, declamar e amar o cinema. Aos 9 anos, durante suas férias escolares, ouviu barulho de aviões de guerra e sem poder imaginar que aquele momento mudaria drasticamente sua vida, assistiu ao início da Segunda Guerra Mundial. A partir deste fato, as transformações na vida de todos da família foram ocorrendo involuntariamente. Viveu em vários guetos, viu familiares morrerem, passou fome, presenciou atrocidades que fizeram sofrer pessoas que conhecia. Viveu na clandestinidade, trocou de  identidade várias vezes para se salvar. Sempre ao lado da mãe, guerreira que transmitiu muita segurança à filha, viu o contato com seu pai dar-se também de forma muito singular. Rita escreveu “Fragmentos de Uma Vida”, livro que embasou o trabalho da peça. O objetivo central da peça é relatar momentos vividos por esta grande mulher, que hoje tem como missão de vida passar adiante o que aconteceu, para que não seja esquecido.

A peça

O espetáculo acontece em cinco fragmentos (poemas), cada qual com uma parcial autonomia em relação aos outros. No primeiro: Eu estou viva, eu estou vivo vemos a relação (fictícia) criada a partir dos intérpretes em relação à história de Rita e os questionamentos quanto ao sentido de se montar um espetáculo como esse, nos dias de hoje e também do sentido da arte. Em Memória há um encontro entre Rita e uma jovem judia, num cemitério israelita, no qual falam da relação com seus mortos e da preservação da memória. Em O Professor de História estamos em uma das muitas palestras ministradas por Rita, em sua trajetória. Nessa, porém, ela se depara com um professor de história que nega a existência do holocausto. A partir desse embate, a memória de Rita, já em processo de extremo desgaste a leva de volta à sua infância na Alemanha nazista, como num transporte. Em A Escolha, criamos uma metáfora sobra a escolha que Rita teve que fazer entre seu pai e sua mãe: aqui essa escolha aparece refletida em um teste de cinema, em que um ator tenta ser aprovado para um papel no filme da vida de Rita. No poema final, O Tempo os intérpretes se imaginam em algum outro tempo e espaço, a olhar para os dias de hoje, para a relação que se criou ao recontarem essa história e as reverberações possíveis em um mundo para o qual gostariam de estar caminhando.
Um olhar poético sobre a história de Rita Braun e a arrogância do ser humano.
De exercício de ensaio à criação artística

Diretor e dramaturgo Kiko Marques criou um espetáculo que vai além da vida da judia polonesa ao provocar toda a equipe, no processo de criação e ensaios. Nesse trabalho, todos contribuíram com suas memórias, vivências e pensamentos, gerando um vasto material que foi usado como disparador na criação das situações, personagens e falas ficcionais que compõem os poemas junto às histórias da vida de Rita. O desejo de Marques era provocar a identificação com o público. “A ideia era que o espectador se enxergasse na trama. Começamos pelas histórias individuais e elas foram servindo de inspiração à criação das cenas. A presença de cada um de nós nesse momento da criação talvez seja a contribuição mais sincera que podemos dar a essa história”, observa

O diretor e dramaturgo desejava fugir do relato, da denúncia, não porque não a sentisse necessária, mas porque, nesse momento em que vivemos, queria criar uma dança, um canto sobre a história de uma sobrevivente. Uma única vida em meio a mais de dez milhões de mortos. “Este canto fala de fraternidade, humanidade, alteridade, do cuidar do outro e da necessidade de se preservar a memória”, explica. Quando trabalha com dramaturgia e encenação, Kiko diz que as duas áreas caminham juntas. “Penso a dramaturgia a partir de uma ação poética e neste caso o texto foi sendo escrito no mesmo movimento da encenação.”

Encontro com Rita e memórias remexidas

O encontro com Rita Braun, na época já com pouca memória, contou com a interlocução de sua filha e chamou mais a atenção do grupo de artistas a energia da reunião que propriamente os fatos. “Uma senhora de 90 e poucos anos, 'elegantérima', de uma educação europeia, polidíssima, que nos recebeu lindamente em seu apartamento nos Jardins”, recorda Denise Weinberg.

Ao revirar as lembranças, Denise resgatou fatos da vida do pai, judeu, que, perseguido, emigrou da Romênia para o Brasil (“um salto mortal”), aos 14 anos, sem falar a lingual. “A provocação proposta por Kiko teve uma carga de emoção maior que propriamente a história de Rita Braun.” Foi doloroso para Denise lembrar que seu pai tinha saudades da mãe, do pai, da Romênia. “O refugiado fica com um buraco afetivo, um buraco geográfico, como uma criança abandonada”, elabora a atriz, que só entendeu este vazio com a morte do pai. Mesmo sendo difícil, Weinberg pontua a necessidade de falar desses assuntos “sem muito chororô”, com certa racionalidade. “Viver com os nossos antepassados mortos sem ficar na angústia do sofrimento, é fundamental.  Assim como está sendo doloroso viver hoje em dia.

A atriz ressalta que é fundamental falar desses assuntos e lembrar o maior genocídio da história da humanidade no momento em que aumenta o número de grupos nazistas no País. “Estamos vivendo uma loucura armada, em um grande campo de concentração. O país e o mundo viraram um antro de maldades, perversidades, horror. Confesso que viver hoje é quase um exercício de sabedoria para não pirar”, conclui, citando uma frase que considera linda do texto: “Nós não podemos esquecer os mortos, temos de viver com eles, entre eles.”
A importância de lembrar para não esquecer.

O professor negacionista

O ator Mauro Schames confessa a dose de sofrimento que é falar no assunto. Conta que seu avô veio para o Brasil antes da Guerra, mas os pais e avós dele chegaram a ser perseguidos pelos nazistas. “A gente entende o que Rita passou e, de repente, se vê tão próximo”, analisa, contando que revisitou suas relações com o judaímo. No palco, Schames interpreta também o professor negacionista da escola em que Rita Braun ministra uma palestra aos estudantes. “O personagem não é nada sedutor”, admite. “O antagonista não seduz”, diz, informando que tem curiosidade sobre o que ele pensa. “Como ator, só estranho proferir palavras contrárias ao que penso.”

Paula Ravache

Com a vivência nos ensaios da peça, Paula Ravache teve a oportunidade de olhar para suas raízes de forma inédita. Vinda de família judia, lembra de ir com os antepassados às cerimônias de celebração judaicas mas não se assumia como tal. “Entendi que nossa história faz a gente aceitar quem a gente é.” A atriz diz ser curioso e motivo de brincadeiras buscar referências para as personagens dentro de sua própria casa - Paula interpreta personagens inspiradas nela mesma, na irmã Andrea, na produtora Célia Terpins (sua mãe), além de fazer o papel de Braun aos 9 anos. “Enxergo minha mãe como uma águia com uma asa enorme sempre protegendo a ninhada – não só a família, mas sim as pessoas que ela quer bem. Uma pessoa que abraça, acolhe o outro, se ocupa com o outro. O carinho que ela criou pela Rita e sua história aparece na peça.. o quanto tornou sua a missão de Rita, a importância pra minha mãe em ajudar Rita a passar esta história adiante.”

Vamos fazer disso um mundo melhor.
As palestras de Rita e a produtora

Também inspiradora de uma personagem que está na peça, a produtora Célia Terpins é o elo de ligação com Rita Braun. Sua filha mais nova, Andrea, conheceu Rita em um cemitério israeslita no Butantã - onde estava para a inauguração do túmulo de seu tio. Andrea sentou-se em um banco em frente a Rita, que contou ser uma sobrevivente e deu seu livro para a filha de Célia. A partir de então, a produtora - que encontrou o email de Braun no marcador da publicação – se comunicou com autora e passou a agendar palestras em escolas de São Paulo. “Fazíamos duas palestras por semana e fomos nos conhecendo, tomando nossos cafezinhos até que minha filha deu a ideia de montarmos um espetáculo. “Mãe vamos fazer uma peça para ter mais uma ferramenta de divulgação”, conta Terpins, que também, como judia, tinha suas histórias de dor ligadas ao Holocausto. “A própria Rita falava: ‘a gente tem que lembrar pra não esquecer, vamos fazer disso um mundo melhor. Ela trazia uma positividade grande durante as palestras. E trazer este outro olhar também me entusiasmou para fazer a peça."
Rita tinha uma positividade grande durante as palestras.
Bruno Menegatti

Músico de cordas - toca violino, violão, rabeca, pífano e baixo -, Bruno estará no palco o tempo todo ao lado dos atores tocando piano, instrumento fundamental para esta temática, de acordo com ele. Sua pesquisa para a trilha do espetáculo envolveu um repertório de antigas canções judaicas, música oriental e música cigana. “Como tratamos também de preconceitos como gays, lésbicas, negros e ciganos, o estudo traz outras informações musicais”, diz ele que se “embebedou” de música tradicional polonesa para compor a trilha original do espetáculo com contribuições das tradições judaica, cigana e brasileira.

Ficha técnica

Idealização: Andréa Ravache e Celia Terpins. Dramaturgia: Kiko Marques. Direção geral: Kiko Marques. Assistente de Direção: Mateus Matilde Menezes. Direção de produção: Celia Terpins. Assistente de produção: Luana Fioli. Figurino, Visagismo e Cenário: Daniel Infantini. Design Artístico: Francisco Junior (Juhninho). Elenco confirmado: Denise Weinberg, Mauro Schames, Paula Ravache e o músico Bruno Menegatti. Criação de Luz: Adriana Dham. Assistente de Luz: Reynaldo Thomaz. Operação de Luz: Adriana Dham e Reynaldo Thomaz. Assessoria de Mídia Digital: Foyer Produções. Assessoria de Imprensa: Fernanda Teixeira /Arteplural. Assessoria e Consultoria Contábil: Hitoshi Nizhimoto.

Projeto Rita Braun Vive apresenta:
 
  • Peça Teatral: Cinco Poemas para a Senhora R
  • Reedição do livro de Rita Braun: Fragmentos de Uma Vida
  • Palestras sobre inclusão social. Temas - Holocausto, LGBT+, Refugiados
  • Exibição de filmes sobre o holocausto

Serviço

Espetáculo teatral Cinco Poemas para a Senhora R - Estreia 3 de maio, quarta-feira, 20 horas. Oficina Oswald de Andrade - Rua Três Rios, 363 –
Bom Retiro, São Paulo - SP, 01123-001, Bom Retiro. (11) 3221-5558. Temporada: de 3 a 20 de maio. Às 4f, 5f e 6f às 20h. Sábado às 15h e 18h. Entrada gratuita.
 
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