19/04/2023 às 13h09min - Atualizada em 19/04/2023 às 20h00min

O poder da língua na preservação da cultura 

*Fabielle Cruz 

SALA DA NOTÍCIA Valquiria Cristina da Silva Marchiori
Jason Dyett

Em um trabalho de intercâmbio, incluindo professores e mais trinta alunos brasileiros e canadenses, fizemos uma visita a comunidade indígena Araçaí, em Piraquara, na região Metropolitana de Curitiba, no Paraná. Fomos recebidos pelo Laércio, o cacique Wera Tupã e os colegas canadenses entregaram presentes para ele, descrevendo detalhes em inglês, que, prontamente, traduzi em português para o cacique e, depois, ele repassou na língua guarani para a sua comunidade.   

Essa rotina se repetiu por quase dez dias, período que participamos do Collaborative Field Experience, uma experiência de campo organizada pelo Centro Universitário Internacional Uninter e pela First Nations University, do Canadá. Nesse tempo, não pensei em outra coisa a não ser como, mesmo não tendo lugar de fala por ser não-indígena, falhei parcialmente no meu papel dentro da educação. Fiquei sem voz pela minha tradução. Mas isso não é nada diante do silenciamento que estas comunidades sofrem.   

É difícil dizer que não falamos nada em guarani, por exemplo. Se traço um caminho me levando do Norte ao Sul do país, terei contato com a língua: Paraná, Ceará, Sergipe, Roraima. Uma pausa em Iguaçu, Ipanema, Ipiranga, Copacabana, Aracaju e Anhembi, e terei todo um léxico guarani nas toponímias – nome das praias, cidades, estados. Então, por que ainda lutamos e insistimos em “evitar” que a língua guarani faça parte da nossa realidade?  

Como professora e pesquisadora da área de ensino de língua, é preciso conhecer os documentos que regem a educação brasileira, que ainda se apresentam controversos e incompletos. Nem sempre a realidade que está escrita ali é a que vai ser encontrada nas salas de aula, sobretudo na educação pública.  

Mas, mais do que isso, estes documentos também não abrem espaço para a realidade das comunidades indígenas. Uma rápida busca de termos dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e a expressão “indígena” retorna com apenas 90 resultados, isso em um documento de 600 páginas. O primeiro termo desta busca é “equidade”, quando o documento descreve a importância da equidade e do reconhecimento das particularidades de cada um, mencionando então os grupos e comunidades indígenas.  

Mais algumas buscas e o outro resultado trata da “Educação Escolar Indígena”, que visa assegurar as competências específicas deste povo, incluindo princípios de coletividade e espiritualidade. Neste trecho, há a indicação da língua indígena como primeira língua a ser ensinada nestes contextos. Se bem me lembro da conversa com Laércio, o cacique que gentilmente nos recebeu, a escola pública na comunidade dele só consegue ofertar aulas na língua indígena e seguir um calendário diferenciado porque, nas palavras dele, “tem um diretor que compra esta briga”. Ou seja, um não-indígena precisa intervir e defender os direitos assegurados dessa comunidade.   

Não é preciso, enfim, ser da área de linguística para entender o que é uma língua de poder, afinal, a língua inglesa está aí para ser o exemplo “vivo”. No entanto, a pergunta que fica é: quem tem o poder quando usa essa língua e por que umas são mais importantes que outras quando é pela língua que parte da cultura é preservada? 

 *Fabielle Cruz é professora da Escola Superior de Línguas do Centro Universitário Internacional Uninter 


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