05/04/2023 às 14h37min - Atualizada em 05/04/2023 às 20h09min

Pesquisa clínica para doenças raras: os desafios e a demora para encontrar pacientes elegíveis

Por Vanessa Tubel

SALA DA NOTÍCIA Vanessa Tubel
Agência Fato Relevante
Divulgação

As doenças raras, em um sentido mais amplo, são as condições que envolvem dano ou alteração no estado de saúde, mas não ocorrem com muita frequência. Devido à sua raridade, estas doenças são difíceis de diagnosticar, podendo ser graves, crônicas, degenerativas e progressivas, representando necessidade de tratamento contínuo e risco de morte para seus pacientes.

No Brasil, considera-se doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e existem estimados 13 milhões de pessoas com esta condição, segundo pesquisa da Interfarma.

Cerca de 80% das doenças raras têm origem genética, enquanto os 20% restantes são resultantes de infecções por vírus ou bactérias, alergias, tipos raros de câncer ou têm causas ambientais.

Neste contexto, devido ao baixo número de pacientes, a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento dessas doenças raras são extremamente complexos. Muitas das doenças ainda não têm tratamento (as chamadas doenças órfãs) e outras já apresentam tratamentos disponíveis há décadas.

Levando em consideração a raridade destas doenças e o mercado bastante limitado de pacientes, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para seu tratamento são considerados altos e arriscados, tornando esta questão um problema não apenas de saúde pública, mas também nos âmbitos econômico e social.

No entanto, este cenário vem mudando nos últimos anos, e o futuro se mostra bastante promissor. Muitos países têm adotado políticas públicas para incentivar a indústria farmacêutica a promover a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos para doenças raras, entre eles destacam-se EUA, Austrália, Japão, Singapura, Coreia do Sul e os países que integram a União Europeia.

A produção de qualquer medicamento é um processo longo, com alto custo e riscos elevados. Porém, nos últimos anos, cada vez mais estão sendo levados em consideração os benefícios individuais, sociais e econômicos decorrentes das pesquisas clínicas em doenças raras. Além disso, a importância dos medicamentos para estas doenças está também no número de pessoas que podem ter a qualidade de vida melhorada significativamente com sua utilização.

E o Brasil também está incluso nesta mudança. A JCR Farmacêutica tem liderado um movimento importante de pesquisas clínicas sobre doenças raras no país, utilizando-se de uma nova plataforma tecnológica chamada J-Brain Cargo®, que permite aos medicamentos ultrapassar a barreira hematoencefálica e atuar no sistema nervoso central.

O primeiro medicamento a utilizá-la, indicado para MPS tipo II, teve seus estudos de fase II iniciados em 2018, liderados pelo geneticista e prof. Dr. Roberto Giugliani, no Departamento de Genética da UFRS, assim como no IGEIM, com a coordenação da Dra. Ana Maria Martins, duas referências na área de erros inatos do metabolismo. A fase III teve início em maio de 2022, com a estimativa de recrutar 80 pacientes envolvidos em todo o mundo, incluindo brasileiros.

Essa nova tecnologia muda o curso dessa e outras doenças, uma vez que o paciente terá pela primeira vez um tratamento que chega ao sistema nervoso central, tratando as doenças neurodegenerativas diretamente, minimizando, no caso da MPS II, o acúmulo de substâncias no cérebro, podendo aumentar a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes.

Estamos apenas no começo, e a JCR Farmacêutica não vai parar de pesquisar e desenvolver tratamentos para quem ainda não tem opções, trazendo ao Brasil pesquisas clínicas que consigam ajudar os pacientes brasileiros a ter acesso à inovação ao mesmo tempo que pacientes de países como Estados Unidos e Europa.

O conhecimento a respeito das doenças raras e a identificação de grupos de risco são muito importantes para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento. Estudos sobre estas doenças são de interesse das autoridades e dos profissionais de saúde, assim como dos pacientes, suas famílias e associações, além das indústrias farmacêuticas envolvidas com o desenvolvimento de medicamentos inovadores para estas condições. Com informações deste tipo, os governos podem estimar o impacto das doenças raras para a sociedade e considerar o desenvolvimento e implementação de programas de tratamento e prevenção.

Do outro lado, os gestores públicos e privados poderiam utilizar o monitoramento do horizonte tecnológico para trabalhar em parceria com a indústria farmacêutica inovadora, desde o período de desenvolvimento da pesquisa clínica, discutindo e validando os desfechos, para proporcionar uma jornada mais célere no processo de registro, preço e avaliação de tecnologias em saúde. O olhar para os estudos clínicos de doenças raras deve ser diferenciado, já que o número de pacientes é sempre muito pequeno, e algumas doenças órfãs não têm comparador, porém as inovações podem trazer um valor em saúde para os pacientes e seus familiares.

As redes de apoio também têm papel fundamental na pesquisa e divulgação de informações a respeito das doenças raras, tanto para os profissionais da área, quanto para o público em geral. No Brasil, bons exemplos são a Rede MPS Brasil, que estuda as mucopolissacaridoses, e a Rede EIM Brasil, que estuda erros inatos de metabolismo. Tais redes agregam informações de diversos centros de atendimento a pacientes com doenças raras, tendo como objetivo reunir dados para traçar um perfil epidemiológico destas doenças, servindo como subsídio para a implementação de políticas públicas.

Em 2017, a Anvisa adotou nova regulamentação para o registro de medicamentos para doenças raras no Brasil, possibilitando às indústrias farmacêuticas a submissão do registro destes medicamentos mais rapidamente, com estudos ainda em andamento, sem comprometer a segurança e a qualidade. Esta legislação permitiu também a criação de um procedimento especial para a anuência de ensaios clínicos para doenças raras, trazendo para o país novos estudos clínicos.

A Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, publicada em 2014, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio.

Por fim, é necessário considerar também que o número de pacientes diagnosticados com doenças raras é substancialmente inferior ao número de pessoas que convivem com estas doenças, uma vez que o diagnóstico apresenta uma série de desafios relacionados à falta de conhecimento sobre as causas e sintomas de uma possível doença rara. O atendimento multidisciplinar para avaliar o paciente de forma integral e confirmar o diagnóstico da doença evita sequelas provocadas pela demora no início do tratamento. Esta triste realidade, além de prejudicar a vida dos pacientes, ainda dificulta muito a pesquisa e a aprovação de novos tratamentos junto aos órgãos de controle.

Por isso, a participação dos pacientes com doenças raras nas pesquisas clínicas é de extrema importância para toda a sociedade. Sem pacientes, não é possível comprovar para os órgãos brasileiros que um tratamento aprovado e disponível em outros países – como o Japão, no caso do tratamento inovador indicado para MPS II registrado e já comercializado desde 2021 – de fato tem eficácia e segurança.
 

* Vanessa Tubel é CEO da JCR Farmacêutica, empresa de origem japonesa focada no desenvolvimento de tratamentos para doenças raras e presente no Brasil desde março de 2020.


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