14/04/2024 às 15h51min - Atualizada em 15/04/2024 às 00h07min

Diálogos Transfronteiriços entre Brasil e França

Pesquisadores brasileiros e franceses unem esforços em estudos sobre as cidades fronteiriças do Amapá e da Guiana Francesa

Alberto Tostes
Tostes
      Tive a oportunidade durante 14 anos de realizar pesquisas sobre o Platô das Guianas, nesse período foram inúmeras viagens para a realização de pesquisas sobre a relação do Amapá e a Guiana Francesa. Em 2002, a UNIFAP realizou um convênio com a Universidade das Antilhas e com o Instituto Superior da Guiana Francesa visando realizar pesquisas conjuntas sobre temas diversos, entre eles, a questão da temática das cidades fronteiriças, as especificidades e peculiaridades de Oiapoque e Saint Georges, uma das instituições mais importantes nesse processo foi a Agência de Desenvolvimento Regional da França na Guiana Francesa.

                 Figura 1 – Travessia do rio Oiapoque.
                 Fonte: GAU, 2017.
      Foram inúmeras as experiências realizadas em parceria com diversas instituições brasileiras com a participação de pesquisadores da UFPA, UFRJ, USP, UNB e UNICAMP. Foram inúmeros os diálogos com esses pesquisadores a respeito de temas importantes para o Brasil-França/Amapá e Guiana Francesa. Destaco os diálogos realizados com as professoras Lia Osorio Machado, Christian Topalov e Margareth Pereira (UFRJ). Em 2017, ocorreu a expedição com a participação dos pesquisadores da UFRJ, na oportunidade a UNIFAP tinha uma parceria com a UFRJ-PROURB através do doutorado interinstitucional em Urbanismo (Figura 1).
       Nessa expedição foi convidado o professor e pesquisador Christian Topalov (Christian Topalov é diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Durante a primeira parte de sua carreira acadêmica, ele atrelou intimamente trabalho intelectual e engajamento político, contribuindo neste período para o desenvolvimento da sociologia urbana marxista francesa, da qual ele ainda é um representante reconhecido na América Latina.
        Desde o fim dos anos 80, ele trabalha sobre a história das políticas de reforma urbana e social, a sociologia das ciências sociais relaciona com as questões urbanas. Sua obra, que se inscreve em uma postura reflexiva, representa uma abordagem original interrogando em particular a construção histórica das categorias e os objetos da sociologia nas suas relações com a ação.
       A cidade de Oiapoque foi o palco de inúmeros diálogos sobre a relação Brasil e França e Amapá e Guiana Francesa. Nesse momento discutíamos a possibilidade de atravessar com o ônibus da UNIFAP através da ponte binacional, porém naquele dia tomamos conhecimento de que não seria possível realizar a travessia por conta de questões burocráticas, ao regressarmos para o hotel foi realizado uma reunião e foi deliberado que iriamos realizar o percurso de catraia (Um barco pequeno com lugares para até 6 a 7 pessoas).
        O professor Topalov fez o seguinte comentário: “Seria a primeira vez na sua vida como cidadão francês que ele iria entrar em território francês de forma clandestina”. Após o governo Sarkozy na França foram adotadas medidas restritivas na faixa de fronteira internacional. Após esse comentário relatei a Topalov, anteriormente 500 famílias de brasileiros foram expulsas da cidade de Saint Georges, fato que na época criou uma grande insatisfação na fronteira, bem antes de ser retomado o processo de cooperação no ano de 1995, segundo os residentes de Oiapoque e Saint Georges “eram mais felizes, pois não havia controle nenhum” (Figura 2).
        Ao atravessarmos a fronteira de catraia, já em solo guianense-francês, fiz a seguinte pergunta a Topalov: Como ele percebia na França a pesquisa sobre os temas urbanos? Ele demorou alguns segundos e disse: “Você é a segunda pessoa que me faz essa indagação em quatro anos. Bom, primeiro, temos que levar em conta os períodos de expansão da pesquisa urbana, são marcadas por preocupações administrativas.
        Na França, anteriormente houve um grande momento de expansão da pesquisa urbana depois de anos de pouca densidade. Mas, não se trata mais da mesma cidade ou da mesma pesquisa que atraiu a minha geração ao sair da faculdade. Em ambos os casos, a cidade estava concebida como em crise, mas a forma que esta crise estava descrita não tinha nada a ver com os enunciados de hoje.
        É interessante constatar que a orientação dos trabalhos de pesquisa é determinada, em todos os casos, por aqueles que têm a profissão de enunciar os problemas, este contraste me parece merecer atenção, descrevo em algumas palavras. Para entender a pesquisa urbana que se desenvolveu na França entre o fim da década de 1960 e o início da década de 1980, deve-se observar que, na administração do urbanismo, havia alguns altos funcionários preocupados e desejando compreender a crise social em curso: havia o Maio de 1968, havia uma cidade que estava crescendo a um ritmo alucinante e, para eles, em completa desordem. Dentre os quais alguns sociólogos, mas, sobretudo os jornalistas e os políticos.
        É de praxe que na política, aquele que deu um nome a um “problema” já ganhou. Eram pessoas que pertenciam a um mundo diferente deste em que nós estamos: eles acreditavam que o Estado tinha um papel importante para introduzir um pouco de racionalidade, de justiça em tudo isso. São essas pessoas que acionaram as ciências sociais para tentar ver como se poderia racionalizar o desenvolvimento urbano. Quando essa onda de pesquisa terminou, os temas centrais como a política urbana, atores econômicos desapareceram completamente da agenda intelectual.”

Figura 2 – Ponte Binacional no rio Oiapoque.

Fonte: Tostes, 2017.
 
         A resposta de Topalov permitiu refletir sobre a maneira cartesiana como a capital Caiena e as demais cidades da Guiana Francesa eram administradas, pois diversos fatores do contexto atual, como a questão migratória, étnica, de gênero e reciprocidade pareciam ser temas distantes de qualquer agenda de pactuação social em território francês guianense. A própria França através do parlamento apresentava medidas rigorosas e restritivas contra famílias de migrantes de diversas nacionalidades. Estávamos em uma fronteira com problemas evidentes como os conflitos étnicos, a exploração de garimpos ilegais, o trafico de drogas, a prostituição e a clandestinidade. Temas que se tornaram mais latentes a partir da década do novo milênio (Figura 3).


Figura 3 – Cidade de Saint Georges na Guiana Francesa.

Fonte: Tostes, 2017.


Figura 4 – Christian Topalov.  

                  Fonte: Faculdade de Ciências Sociais de Paris.  


          Sobre a agenda intelectual a que Topalov (Figura 4) se refere, todos de alguma forma devem pensar sobre esse tema, não basta somente hoje construir e pactuar essa agenda sem envolver todos os segmentos sociais, citei a Topalov, o caso de Oiapoque onde há quatro décadas, predomina a oligarquia garimpeira que exerce um poder econômico tendo elegido os últimos quatro prefeitos do município de Oiapoque. Nas relações internacionais entre Brasil e França não há uma clareza sobre o que importa ter ações efetivas entre ambos os lugares, o abandono da BR 156 e as restrições de uso da ponte binacional por parte da Guiana Francesa atestam um cenário complexo e difuso, outro fato, são as relações conflituosas na fronteira. Há um vazio, de fato, sobre a construção de uma agenda onde supostamente os intelectuais sejam os primeiros a se manifestarem sobre temas controversos.




Autor: José Alberto Tostes | Arquiteto e Urbanista, Mestre e Doutor em História e Teoria da Arquitetura
https://josealbertostes.blogspot.com/


Enviado por: Hiroshi Koga- Assessor de Imprensa | site: k-1.press
 

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