04/04/2024 às 10h45min - Atualizada em 04/04/2024 às 16h01min

Metodologia criada pela Mempodera destaca direitos da criança e do adolescente de forma positiva

Aulas de wrestling e inglês são interativas e lúdicas e utilizam o brincar para ensinar, além da busca pelo desenvolvimento pessoal

Jéssica Amaral - DePropósito Comunicação
www.depropositocomunica.com
Mempodera

No dia 21 de março foi comemorado o Dia Mundial da Infância. A data foi instituída pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com o objetivo de promover uma reflexão sobre a defesa dos direitos das crianças. Direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, são alguns dos direitos que pais e responsáveis, poder público e comunidade devem proporcionar às crianças.

Mesmo sendo direito, isso não é o que acontece. Cerca de 32 milhões de meninos e meninas vivem na linha da pobreza no Brasil, o que representa 63% do total de crianças e adolescentes. Os aspectos da pobreza são em relação a renda, alimentação, moradia, educação, água e saneamento básico, trabalho infantil e informação. Os dados são da pesquisa As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil, divulgada em 2023 pela Unicef.

Para começar a mudar essa realidade, a Mempodera, organização que possui atuação em Cubatão (SP) e em São Luís (MA) e oferece aulas de Wrestling e inglês para meninas e meninos, busca promover a igualdade de gênero por meio do esporte e da educação, além de ensinar por meio de uma metodologia desenvolvida por elas mesmo, que durou quase dois anos para ser finalizada.

Essa metodologia foi criada pela Mempodera, com a participação de coordenadora da organização, Mayara Amália, pela fundadora, Aline Silva, ambas atletas profissionais de wrestling, e pela presidente Lidia Silva, em parceria com a Doutora em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Paula Korsakas, que teve como parte da tese de doutorado o trabalho com a Mempodera, e a Doutora em Ciências e docente do curso de Educação Física e Saúde da Universidade de São Paulo (USP), Mariana Harumi Cruz Tsukamoto.

“Nós nos reunimos muitas vezes para discutir como seria a nossa metodologia de aula e avaliamos a forma que dávamos aula antes, com a forma tradicional de se ensinar qualquer tipo de modalidade esportiva. Puxamos as memórias da educação física e de situações que aconteciam. E, na verdade, o esporte é um ambiente que exclui, porque, geralmente, a gente está buscando sempre quem são os mais habilidosos, ou aqueles que têm mais facilidade, e acaba que algumas crianças que não eram tão habilidosas fossem totalmente excluídas disso. Muitas pessoas que não praticam esporte ou são sedentárias é porque não tiveram experiências positivas”, lembra Mayara.

Um dos aspectos avaliados da experiência das profissionais com o esporte, e que foi colocado em questão para criar a metodologia, é o de movimentos engessados e de repetição. Ambiente seguro psicologicamente e de aprendizagem, professores com olhar igual para todos, respeito e desenvolvimento de cada faixa etária são valores priorizados na Mempodera, conforme explica a coordenadora. “Com isso, a gente criou situações que fazem com que as crianças aprendam o wrestling e o inglês de forma lúdica, porque brincando se aprende muito. Então, a aula é muito divertida e as crianças se sentem interessadas porque não é uma coisa chata e monótona, sempre está mudando e tendo uma outra coisa”.

A criatividade das professoras também é explorada, pois segundo Mayara, para se ensinar o wrestling, não é necessário estar dentro de uma sala com tatame. “Eu posso ensinar competências que são importantes para o wrestling no jogo de basquete, vôlei ou numa queimada. Por exemplo: eu tenho o objetivo de ensinar um golpe que se chama arm drag numa brincadeira. Então, a gente cria brincadeiras específicas para o wrestling e a criança faz, inconscientemente, um movimento muito parecido com o golpe, mas a gente não está se importando com a qualidade técnica, mas queremos que essa criança se sinta muito feliz ali e que ela queira voltar”, destaca.

Brincar e atividades lúdicas

O brincar é um dos direitos da criança, assim como outros direitos fundamentais, que visam o bem-estar e o desenvolvimento. Na Mempodera, grande parte das atividades realizadas em aula buscam esse aspecto. “O brincar e o lúdico a gente incentiva em praticamente 80% da aula. Nós trazemos os professores para botar a cabeça para funcionar e pensar fora da caixinha. Então, aquele padrão tradicional que a maioria dos esportes faz, ensina o passe e fica repetindo 20 vezes, não. Criamos brincadeiras específicas para aquilo que a gente quer desenvolver, tanto para o inglês, quanto para o wrestling. É dessa forma que a gente incentiva as crianças a se desafiarem e interagirem , o que é muito legal”, afirma Mayara.

O que comprova a fala da coordenadora, é o relato da Mikaela da Silva Rodrigues de São Luís, que tem oito anos e está no projeto há um ano e meio. “Faço inglês e wrestling na Mempodera e durante a aula tem brincadeiras legais e divertidas. Brinco com outras alunas de cola corrente e salada mista. Eu me divirto muito. É muito legal porque faço amizade com elas”. Para a mãe de Mikaela, Ayala da Silva, que tem outra filha que participa da organização, o desenvolvimento delas depois que entraram no projeto, melhorou. “Sinto mais firmeza, porque antes elas não tinham e iam muito pelos outros, e hoje em dia não. Elas já agem mais por si próprias e não vão atrás de ninguém. Hoje em dia elas não têm mais medo, porque tem como se defender, além das brincadeiras que elas fazem em casa”. 

A mãe ainda destaca as viagens que as meninas realizaram com a Mempodera para São Paulo (SP). “A tendência é cada vez melhorar mais e elas se desenvolverem mais ainda. A Sofia (15 anos) já tem outra visão devido à primeira vez que ela foi. Ela disse: ‘Mãe, eu não vou morar aqui em São Luís, eu vou morar em São Paulo’, e então ela já plantou na mente dela que ela pode crescer em outro lugar”. 

Além das brincadeiras reforçadas pela Mempodera e por outras organizações, a sanção da Lei 2861/2023 pode auxiliar neste caminho. Ela institui a  parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias prioritárias para prevenção da violência contra crianças, pois quando há interação por meio de brincadeiras, seja com pais e responsáveis ou professores, a criança sente confiança para ter um desenvolvimento pessoal e relatar o que está sentindo. O texto técnico foi elaborado pelo ChildFund Brasil e pela deputada Laura Carneiro e estabelece que as crianças possuem direito a uma educação pautada na construção de relacionamentos positivos. 

“Todo o aprendizado começa com a vontade de aprender algo. Na Mempodera, essa vontade é criada a partir da diversão, assim garantimos que nossas alunas vão se desenvolver respeitando as características da infância, que é um momento de experimentar e aprender muita coisa nova, mas é, acima de tudo, o momento da vida de brincar“, ressalta Aline Silva, fundadora da Mempodera. 

Desenvolvimento pessoal e empoderamento feminino

Quando falamos de crianças, temos também a responsabilidade de ajudar na contribuição desses seres como pessoas. Na Mempodera, esse assunto é levado a sério, seja na aula de wrestling ou de inglês ou até mesmo fora de sala. É durante esses momentos que outros temas e assuntos são colocados no meio da aula em forma de situações, visando sempre expor ao máximo diversos conceitos. “Quando vamos dividir as equipes, a gente fala do trabalho em equipe e sobre como tudo fica mais fácil quando a gente divide. Quando falamos sobre disciplina, a gente cria as nossas regras juntos com as nossas meninas e lembramos que são os nossos combinados. A gente senta todo mundo e batepapo sobre o que seria necessário para a aula funcionar e para termos uma convivência boa, e aí falamos sobre o carinho, sobre cuidar da organização da sala”, explica Mayara.

O sonho e o acreditar em si mesmo também fazem parte da metodologia trabalhada pela organização. Muitas meninas acabam não tendo visão de um futuro além do que podem enxergar, mas ao adentrar o projeto, isso muda. É durante uma aula e outra que novas profissões e palavras são apresentadas, fazendo com que as alunas tenham a oportunidade de sonhar com seus destinos e lutar por eles. A informação também é destaque. Seja por meio de um vídeo de cinco minutos antes de começar a aula ou por meio de uma conversa entre professores e alunas.

Luziane Yasmin Neves, de 18 anos, também é de São Luís e é aluna da organização há quase três anos, e hoje, após idas e vindas, afirma que não larga mais o projeto. A jovem, que antes possuía grandes dificuldades para dar uma entrevista, hoje em dia superou essa barreira. “Eu tinha dificuldade de falar na frente das pessoas por conta da vergonha. Com o projeto eu consegui falar, desenvolver mais a minha fala e também ter um pouco mais de foco. Então, isso me ajudou bastante, tanto na escola quanto dentro do projeto e em outros lugares”. 

“O wrestling foi onde eu me redescobri. Por sofrer bullying na escola, isso me incentivou ainda mais, porque a luta me trouxe foco, me ajudou no emagrecimento, na resiliência e com a questão do respeito”. Em dois meses, Luziane emagreceu 19 quilos, apenas com as aulas e melhorando a alimentação, e garante que o esporte  faz parte do seu futuro: “Eu quero ser uma lutadora de wrestling e fazer disso a minha profissão. Tenho vários sonhos, mas o meu principal sonho é lutar wrestling, me tornar uma campeã mundial e ser atleta da seleção brasileira, e quem sabe um dia, ser professora e mostrar para mais meninas que assim como eu consegui, elas também conseguem, e que as mulheres podem ganhar o mundo afora”, complementa.  

As mudanças não são visíveis apenas para a jovem, mas também para a mãe, Joseana Cantanhede. “Ela se tornou uma pessoa mais comunicativa e responsável como um todo. Hoje ela gosta de cumprir horários, passou a ser mais focada e tem também a questão da autoestima. Antigamente, a gente dizia que ela conseguia emagrecer, mas ela falava que não, que era gorda e feia. Hoje ela conseguiu se sentir mais bonita. A Mempodera veio para libertar ela de alguns traumas. Hoje ela anda só e ela sai só. Como diz o projeto: ela se empoderou. Ela aprendeu a caminhar sozinha, tornou-se mais independente e tem sido focada em tudo que ela se coloca para fazer. Eu espero que ela vá longe na organização”, comemora Joseana. 

Sobre a Mempodera

A Mempodera é uma organização que oferece aulas de Wrestling e inglês para meninos e meninas de seis a 17 anos, de forma gratuita, desde 2018. O projeto busca a igualdade de gênero por meio do esporte, da educação e do fortalecimento de vínculos. Atuando em Cubatão (SP) e São Luís (MA), mais de 600 jovens já passaram pela organização e tiveram suas vidas transformadas. Para mais informações, acesse https://www.mempodera.com/


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