18/03/2024 às 10h43min - Atualizada em 19/03/2024 às 00h07min

‘Poupança coletiva’ fortalece cadeia produtiva do pequi e outros frutos do Cerrado no norte de Minas

Fundo Rotativo Solidário do Núcleo do Pequi apoia até oito empreendimentos ao mesmo tempo com um valor de 5 mil reais de microcrédito

Assessoria de Imprensa
Bento Viana / acervo ISPN

Uma “poupança coletiva” para apoiar a cadeia produtiva do pequi no norte de Minas Gerais. Essa é uma iniciativa da rede Núcleo do Pequi que mantém um Fundo Rotativo Solidário (FRS) para impulsionar a produção do fruto cerratense e garantir apoio para a agricultura familiar na região. “A ideia é que os beneficiários acessem o crédito quando precisam. Afinal, o crédito é para isso. É uma decisão consciente, pega quando precisa”, explica Welerson Amaro, o Lecinho, consultor na área de finanças do Fundo.   

Welerson Amaro é consultor de finanças no Fundo Rotativo Solidário do Núcleo do Pequi (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Fundos Rotativos Solidários funcionam como poupanças coletivas: buscam suprir necessidades de determinado grupo ou comunidade, e são organizados de acordo com regras estabelecidas por pessoas envolvidas na iniciativa. Com 40 mil reais em microcrédito, fruto de um apoio do Fundo PPP-ECOS, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a ideia do Núcleo do Pequi é gerar capital de giro de R$5 mil a organizações comunitárias de agricultores familiares e extrativistas presentes em 16 municípios do norte de Minas Gerais. No momento o fundo é capaz de apoiar até 8 empreendimentos simultaneamente. No futuro pretendem ampliar e aumentar a capacidade. 

A devolução deve ser iniciada 6 meses após o empréstimo e ser paga mês a mês em seis parcelas. Há um juros de 2,5%, o que resulta num valor total de R$ 5.250 a serem devolvidos na conclusão do projeto. 
Funciona assim: a organização interessada deve propor um projeto de solicitação do microcrédito, descrevendo mecanismos de devolução do dinheiro e contando com assistência técnica do Núcleo para tal finalidade. Por isso, a iniciativa não é apenas sobre o empréstimo financeiro, mas também sobre gestão participativa. 

Lecinho destaca que o projeto tem como objetivo, além do fortalecimento financeiro das organizações comunitárias, a “educação ao crédito”. Os tomadores do recurso devem ter consciência de todo o processo de investimento até a devolução. “Considero uma experiência exitosa”, conclui. 

 

Reunião entre membros do Núcleo do Pequi e o ISPN em Montes Claros, MG (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

 

Livre de atravessadores  

A ideia de criar um Fundo Rotativo Solidário surge como uma alternativa à ação de atravessadores – que coletam a produção dos pequenos agricultores e levam até o comerciante varejista nas cidades, remunerando-os em um prazo menor que as associações e cooperativas. 
A margem de lucro da produção é reduzida, a transparência nas transações pode ficar comprometida, gerando ainda dependência e vulnerabilidade dos produtores em relação aos intermediários, além de comprometer a inovação e o trabalho coletivo. 

“O atravessador acaba atrapalhando o trabalho das cooperativas e associações e atravessam produtos sem qualidade”, argumenta Jacy Borges de Souza, produtor rural e presidente da Associação dos Usuários da Sub Bacia do Rio dos Cochos (ASSUSBAC), que é beneficiária do Fundo. “Esse é um desafio grande para alcançarmos a autonomia”, acrescenta. 

Na fábrica da Assusbac, fundada em 2003 e que também já recebeu apoio do PPP-ECOS no passado, na Comunidade de Sambaíba, zona rural de Januária (MG), segundo Jacy, trabalham 20 pessoas de 5 comunidades da região. De acordo com ele, o capital de giro está sendo bom para pagar coletores “que não acreditavam no nosso trabalho e que agora estão tendo mais confiança”. 
 

Associação dos Usuários da Sub Bacia do Rio dos Cochos (ASSUSBAC), beneficiária do PPP-ECOS, é membro do Núcleo do Pequi (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Outras estratégias da Assusbac são diversificar a produção e agregar valor aos produtos. O mel, por exemplo, já sai da fábrica envasado e pronto para o consumo. Uma estratégia para competir com atravessadores, “que pegam o mel em grande quantidade para revender”. 
Segundo ele, o carro chefe da Assusbac sempre foi o pequi, mas agora há outras possibilidades de frutos para beneficiamento, como umbu, maracujá do Cerrado,  cajuí, panã (“araticum”), jatobá, cagaita, acerola, manga e banana. 

“Com apoio do PPP-ECOS conseguimos uma despolpadeira e podemos trabalhar diversos frutos”, explica. 
A relação com a juventude também é uma preocupação para Jacy. “A gente luta muito para manter os jovens por aqui”. Segundo ele, é preciso tornar o ambiente agradável para os jovens, “se não eles não voltam”. 

“Nosso partido é a macaúba” 

No município de Montes Claros (MG), a Cooperativa dos Trabalhadores Rurais de Riacho D’anta e Adjacências (Cooper Riachão), trabalha com a macaúba desde a casca até a castanha. “A ração da polpa de macaúba para cavalo e gado de corte é o que mais sai por aqui”, explica Valnei. Os compradores são, sobretudo, dos municípios de Mirabela e São Francisco. 
Quando o coco da macaúba está maturando, ele começa a cair do cacho. Ele é coletado e vai para o beneficiamento. Com o endocarpo de macaúba, produz-se insumos utilizados na manutenção de tubulações na indústria petrolífera e também para jateamento de carros, um tipo de limpeza de superfície. 

A despolpadeira quebra a casca da macaúba e revela o coquinho que tem dentro. Depois quebra o coquinho liberando o endocarpo, a polpa e a amêndoa. A polpa será prensada para fazer óleo. O bagaço que sobra desse processo é chamado de “torta”. Com ela, faz-se uma ração animal misturada com a casca da macaúba. 

Há ainda uma máquina para prensar a amêndoa. A partir da prensa da amêndoa se extrai um óleo “mais rentável”, vendido para a indústria de cosméticos. Já o óleo da polpa vira sabão em barra, sabão em pó e sabonete ali na própria fábrica. O maior comprador de sabão é a cooperativa Central do Cerrado. 

 

Cooperativa dos Trabalhadores Rurais de Riacho D’anta e Adjacências trabalha com a macaúba da casca até a castanha (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

 

A “pasta crioula”, que é um subproduto da produção do sabão, serve para arear alumínio – bom para fazer a limpeza de panelas. 
Também é possível fazer óleo automotivo com a extração da polpa. “Um produto a mais que a gente vai ofertar”, conta Valnei, explicando que já vendeu biodiesel para a Petrobrás com este beneficiamento. 

A Cooper Riachão, apoiada pelo PPP-ECOS, é uma cooperativa familiar que, antes da pandemia, reunia o trabalho de 430 extrativistas no fornecimento da macaúba para a fábrica proveniente de quatro municípios da região do Vale do Riacho D’anta: Montes Claros, Mirabela, Coração de Jesus e Brasília de Minas. A ideia agora é retomar essa estrutura de cooperados. 

Com o capital de giro do Fundo Solidário, a Cooper Riachão comprou matéria-prima dos extrativistas. Ao utilizar todas as partes do fruto e acreditar no trabalho desempenhado na fábrica, Valnei conclui: “nosso partido é a macaúba”. 

Sabor do Agreste  

O grupo de mulheres Sabores do Agreste é a terceira organização comunitária apoiada pelo Fundo Rotativo. Fundado em 2013, são dez mulheres trabalhando na produção de doces e geleias com frutos nativos na região de Januária, MG, no distrito de Levinópolis. 
“Iniciamos este trabalho em um curso que ensinava a produzir geleias, doces e sucos, e hoje completamos 10 anos de trabalho, em que aprimoramos nosso conhecimento e nossas receitas”, explica Rosimeire Goncalves da Mota, que compõe o grupo desde a fundação. 

As responsáveis pelo grupo se dividem entre produção e coleta. Umbu, tamarindo, manga, acerola, maracujá do mato e goiaba são alguns dos frutos trabalhados. Elas cuidam de suas roças em casa, dos pais, filhos e bichos. O trabalho no Sabores do Agreste fica sempre na parte da tarde. 

Elas destacam que utilizam pouco açúcar na produção dos doces e que há uma faixa de despesa fixa em torno de R$700, considerando o gasto com energia, embalagem e matérias-primas. Coletores da região também levam frutas para o grupo. Elas selecionam o que interessa, pesam e pagam pelo produto. O valor, em média, é de R$2 o quilo da fruta. 

 

Grupo de mulheres Sabores do Agreste produzem doces e geleias com frutos do Cerrado (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

 

Núcleo do Pequi  

Sabores do Agreste, Assusbac e Cooper Riachão fazem parte do Núcleo do Pequi, uma rede de associações, cooperativas e instituições que tem o objetivo de fortalecer o trabalho de agricultores e extrativistas de 16 municípios do Norte de Minas Gerais. 
Foi formado em 2008 a partir de uma oficina de Planejamento Participativo da Cadeia Produtiva do Pequi no Norte de Minas Gerais, em Montes Claros-MG, promovida pelo Ministério do Meio Ambiente no contexto do Plano Nacional da Sociobiodiversidade. 

“O grupo passou a se reunir periodicamente para formalizar uma organização que representasse a cadeia produtiva do pequi. Demorou três anos para termos um CNPJ e nesse meio tempo recebemos apoio do ISPN de forma indireta”, explica Sarah Alves de Melo Teixeira, uma das fundadoras da organização. 

 

Sarah Alves é uma das fundadoras do Núcleo do Pequi (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

 

Graças ao trabalho da organização, o Núcleo conseguiu reativar o Conselho Diretor Pró-Pequi, vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA), de Minas Gerais, que é responsável por administrar o Programa Pró-Pequi. 

Este por sua vez é fruto de uma lei estadual de 2001 que tem como objetivo incentivar o beneficiamento, a industrialização e comercialização do pequi e outros frutos do Cerrado. A lei torna o pequi imune ao corte. Significa que quem cortar um pé de pequi deve pagar cem Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais (Ufemgs), equivalente a 200 reais, a uma conta administrada pela SEDA, ou replantar um pequizeiro em até cinco anos. 

“Hoje, temos a necessidade de ampliar nossa equipe e colocar mais pessoas trabalhando, porque boa vontade tem, boas ideias também, mas falta tempo e braço”, afirma Sarah. 

 

O Núcleo do Pequi é beneficiário do projeto “Manejo Integrado e Sustentável de Paisagem no bioma Cerrado no Brasil e Paraguai”, ou projeto Ceres – Cerrado resiliente, executado pelo WWF-Holanda em parceria com ISPN, WWF-Brasil e WWF-Paraguai, com recurso da União Europeia.

 

Reportagem escrita por Camila Araujo/Assessoria de Comunicação ISPN.


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