23/02/2024 às 12h16min - Atualizada em 27/02/2024 às 00h01min

Calor extremo provoca escassez de mandioca na Terra Indígena Raposa Serra do Sol

O ano de 2023 foi o mais quente da história e prejudicou as plantações de mandioca, base de sustento tradicional de diferentes povos indígenas da Amazônia.

Assessoria de Imprensa
https://infoamazonia.org/2024/02/02/calor-extremo-provoca-escassez-de-mandioca-na-terra-indigena-raposa-serra-do-sol/
Nailson Wapichana/InfoAmazonia
Por Jullie Pereira

Indígenas da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, no nordeste de Roraima, enfrentam a escassez de um dos alimentos mais importantes para sua subsistência: a mandioca, um item básico utilizado para a produção de farinha, beiju e tapioca e que, apesar de ser uma planta resistente ao calor, já sente o impacto das mudanças climáticas e das altas temperaturas cada vez mais frequentes.

A reportagem da InfoAmazonia esteve na comunidade Mutum, dentro da TI, e participou da 43ª Assembleia Geral da Região das Serras, no início de janeiro. No quinto dia de reunião, o almoço foi servido sem farinha. Elizete Macuxi, uma das cozinheiras do dia, explicou a ausência: “quando a gente planta a mandioca, ela seca. Algumas partes [do solo] que são mais frias estão nascendo [as mandiocas]; nas partes que são mais quentes, elas estão morrendo. Por isso, estamos com falta de farinha na nossa assembleia”.

Elizete é mãe solo de oito crianças e a alimentação da família é feita principalmente daquilo que plantam no roçado. Ela vive na comunidade do Morro, uma das 238 localizadas da TI Raposa Serra do Sol. “Parece que, sem farinha, nós, do povo Macuxi, não somos nada. Falta força, não temos resistência”.

Já na comunidade Pedra Branca, a população está bebendo água de cacimba, porque a seca também atingiu os rios próximos. Além da escassez para consumo diário, a plantação de mandioca também foi afetada pela falta de água. O local é um dos mais vulneráveis, como explica o tuxaua Gregório Macuxi, um dos moradores: “isso nunca aconteceu, a própria mandioca que plantamos está secando, é muita quentura. Quando levantamos o pé [da mandioca], não tem nada, ela não está mais enchendo”, explica.

Amarildo Macuxi é coordenador da Região das Serras, uma das quatro subdivisões do território que reúne 77 comunidades. O líder conta que os pedidos de ajuda chegam de todos os lados. “O verão chegou muito cedo e muito forte. As nossas plantações não aguentaram o calor. Muitas comunidades estão sofrendo com a seca, principalmente aquelas que vivem de poço artesiano. Porque os poços secaram e os rios também”.
A TI Raposa Serra do Sol tem 1,751 milhões de hectares e nela vivem mais de 26 mil pessoas, dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingarikó. A demarcação foi conquistada após 34 anos de luta e passou por intenso processo de desintrusão.

Carlos Cardoso, professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que desenvolve trabalhos voltados para a soberania alimentar, explica que essas populações têm a mandioca como um alimento da cultura indígena.

“Essas regiões ainda mantêm muito da sua produção tradicional, inclusive catalogando e criando bancos de sementes nativas. A farinha com certeza tem uma dimensão muito maior nessas comunidades, que ganhou profundo espaço depois da expulsão dos arrozeiros [quando esses povos tiveram a terra demarcada]. E existem diversos derivados da mandioca, a goma, o tucupi, as bebidas tradicionais como o caxiri. Todos utilizados no dia a dia”, explica.

Carlos avalia que a crise climática, com ondas de calor intensas, pode colocar em risco a forma tradicional de se alimentar dessas populações: “A tendência é que a crise climática que está afetando essa região se acentue, e que exista ainda menos roçados nas comunidades, com o uso cada vez mais constante da alimentação processada e ultraprocessada”, diz o professor.

A perda da tradição do consumo da mandioca, assim como de outros alimentos tradicionais, é observada nas últimas décadas por meio do contato das populações indígenas com a alimentação dos não indígenas, segundo o professor. Ele explica que, em algumas comunidades, as plantações já estão diminuindo pela falta de incentivo da sua produção.

“As pesquisas que estamos produzindo mostram que o contato com a realidade não indígena, como as atividades remuneradas e o acesso aos programas de auxílio,  contribuíram para a diminuição da produtividade da mandioca. Hoje você chega numa comunidade e pode não ter farinha. Os mais jovens não estão interessados em fazer roçado, porque esse trabalho é muito árduo”, explica.

*Para conferir a reportagem completa, clique aqui.
Créditos: InfoAmazonia

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