05/02/2024 às 16h48min - Atualizada em 06/02/2024 às 20h01min

Vilarejos vulneráveis na África recebem, pela primeira vez, atendimento médico especializado

Durante a Missão África, maioria dos casos são relacionados a patologias tropicais típicas do subdesenvolvimento local

Juliana Antunes
divulgação
Nos primeiros sete dias da Missão África - projeto da Inspirali que levou alunos das principais universidades de medicina do Brasil para Benim, quinto país mais pobre do continente africano, para prestar atendimento médico a uma população de extrema vulnerabilidade. Os 30 alunos selecionados para a Missão - por meio de histórico em ações voluntárias, participação em alguma das edições anteriores da Missão Amazônia e que estão nos dois últimos anos da graduação - já estão inseridos no contexto da realidade local, atendendo pacientes, maioria de crianças e mulheres, em casos que parecem simples como hipertensão, diabetes, hérnias; até graves complicações como queimaduras não curadas e evoluções desfavoráveis de parto.

“Enfermidades que parecem descomplicadas, aqui fazem uma grande diferença. Em Benin a mortalidade infantil chega próximo dos 50% no primeiro ano de vida e a expectativa de vida é em média 58 anos, então as doenças são bastante prevalentes e graves e por falta de tratamento eles acabam sucumbindo. É muito provável que este será o único atendimento que estas pessoas vão ter ao longo da sua vida porque eles não têm acesso a medicina gratuita”, relata diretamente da Missão o diretor médico da regional Sul da Inspirali e coordenador do projeto, Rodrigo Dias Nunes.

Nunes conta que os dias têm sido bastante intensos com grande quantidade de aprendizado pessoal e profissional. Segundo o coordenador do projeto, os missionários estão com uma grande carga de trabalho, chegando à exaustão física e emocional. Porém, esse é o objetivo principal da Missão. “Isso nos faz valorizar ainda mais tudo o que estamos aprendendo, o que temos deixado e o que temos recebido. Os alunos aprendem sobre resiliência, dedicação, empatia, se colocar no lugar do outro. Eles começam a reformular seus valores de prioridade, uma vez que muitas vezes falta água, falta energia, falta total conforto, não só para os pacientes, mas para todos nós”, complementa.

Também inserido na Missão, José Lucio Martins Machado, CMO da Inspirali, conta que os consultórios estão sendo organizados em galpões ou debaixo de árvores sombreiras e explica que para cada consultório é escalado um tradutor do dialeto goum para o francês. “Nossos alunos se comunicam por meio do francês básico e muita mímica. As consultas envolvem um tremendo esforço de comunicação oral e gestual. Mas temos recebido ajuda de moradores das proximidades, que chegam a andar por horas para prestar auxílio com a comunicação e outras demandas”, conta.

Relatos

Crianças – “Um caso que nos chamou a atenção foi o de Samuel, de 12 anos. Aos 4 anos ele teve sua mão esquerda colocada em água fervente por ter o hábito de chupar os dedos. Agora na fase escolar, Samuel é canhoto e não consegue usar as mãos para a escrita. Sua mãe, constrangida e envergonhada, nos levou para aliviar as dores de Samuel. Os óleos medicinais das práticas integrativas nos serviram no mínimo de consolo, na tentativa de poder se fazer algo em benefício da criança”, relata José Lucio.

Gestantes – “Quando são atendidas e colocamos um aparelho para escutar o coração do bebê, a emoção não é apenas delas, mas de todos aqueles que estão em volta escutando porque eles nunca tiveram isso e vão levar bastante tempo para ter novamente”, conta Nunes.


Mulheres – “Quadros de infertilidade acabam chamando bastante atenção porque isso faz com que socialmente as mulheres aqui tenham uma desqualificação. Elas têm, culturalmente, essa necessidade de gerar filhos, justamente por causa do seu papel social junto à comunidade. Muitas vezes essas pacientes que não conseguem engravidar acabam sendo descartadas da sociedade, do vínculo conjugal”, descreve.

Saúde Mental – “Aqui existe um tabu de que são pacientes possuídos. Por conta da religião deles, acreditam que espíritos maléficos entraram em seus corpos e eles acabam sendo acorrentados em casa. Estamos desenvolvendo terapias comportamentais com um centro de saúde mental, entendendo como funciona e contribuindo com terapias cognitivas para o auxílio no tratamento destes pacientes que são resgatados destas condições mais precárias”, explica Nunes.

Consequências locais – “Atendemos várias pessoas com bócios enormes (aumento no volume da glândula tireoide) resultado da falta da iodação do sal e da água, raquitismo em crianças com sinais clínicos típicos como arqueamento de ossos longos e alargamento dos punhos em meio a síndromes mais raras como o nanismo hipofisário e Síndrome de Down. Tivemos 3 casos de crianças com Doença de Wilson e sinal clássico de Kayser-Fleischer, doença decorrente do depósito excessivo de cobre no sangue e no fígado”, expõe José Lucio. “Existem bastante doenças prevalentes de doenças de pele, hernia inguinal, diástase abdominal, tudo isso causado pelo excesso de trabalho físico, que é uma condição típica da população aqui”, complementa.

Os alunos e docentes têm registado todas as condições em prontuários eletrônicos com o objetivo de trabalhar junto à universidade e ao Ministério da Saúde para conseguir algumas políticas futuras para melhorar a qualidade de vida desses pacientes. A Missão acontece de 24 de janeiro a 7 de fevereiro, período em que os missionários visitarão e receberão pessoas de 10 diferentes vilarejos das cidades de Adjarra e Ganvie. Até o momento, estão atendendo, em média, 300 pessoas por dia.
 
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