22/11/2023 às 01h01min - Atualizada em 22/11/2023 às 01h01min

Deus e o Diabo

Do Cafofo do Dezena: Crônica Viva

A terra está em chamas. Provavelmente alguém soltou o Demo. Como gosta de lugares abrasadores, creio, deixou o ambiente a seu gosto. O pior, desde que mudei para o novo apartamento, não me incomodei com o aparelho de ar condicionado. Deixei-o em um canto. Cômodos amplos, janelas que trazem o frescor da noite, bastavam. Resolvi, na segunda-feira, instalar e enfrentar a onda de calor no final do dia. Quem disse que deu certo? Faltou a tomada adequada e o controle estava sem pilhas. Sem contar o medo de ligar e botar fogo no apartamento. Aí, sim, as coisas esquentariam. Sei que o correto é chamar um profissional, verificar a tensão, se os cabos estão na medida apropriada e outras coisinhas. Teimoso, olhei se a temperatura amainaria nos dias seguintes. Não, senhores, durante toda a semana o sol nos castigaria. Pensei: como a temperatura alta está ligada ao Tinhoso, vou fazer uma oração ao Redentor. Tenho uma bela imagem que trouxe da cidade de Indaiatuba, quando lá trabalhei. Na reforma do prédio, segundo os novos dogmas, imagens religiosas não devem ser usadas em ambientes de business: negócio é negócio, religião é religião. Deixar o Crucificado jogado em uma caixa no depósito, não me agradou. Limpei, lustrei e dependurei em meu Cafofo. Hoje, na escrita, quando um dia desses falei dos santos que tenho em minha proteção, esqueci-me do Nazareno. Santa Rita, São Gabriel e São Judas: com um time desses, a temperatura deveria estar mais amena por estas bandas.
Para tirar a cisma. Pensem nos vendedores de piscinas, nos fabricantes de sorvetes, nas fábricas de gelo. Não senhores, o calorão nada tem a ver com Satanás, nem com um vacilo do nosso Salvador. Acredito que eles têm muito o que fazer. Cuidar da temperatura da terra é coisa para os mortais, e estamos reprovados na matéria. Almas dão muito mais trabalho, com certeza, e não faz diferença para os Dois, se elas estão ou não desencarnadas. Sem dizer que, quando Dante imaginou a espiral do inferno, as coisas começaram a esquentar depois do sexto círculo (chegamos?).
Deixei, para o final, a melhor parte. Acontece que ninguém é de ferro. Não tem coisa melhor do que, ao cair da tarde, sol já posto, varanda de interior, junto à mulher amada, abrir uma cerveja estupidamente gelada. Sorvê-la com galhardia entre beijos, depois de um dia de suor honesto, frente à Mantiqueira, e, assim, cozer o tempo até o sono chegar.

Fernando Dezena é escritor. Membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, Diretor da UBE – União Brasileira de Escritores e Curador Literário do Espaço Cultural da Boca do Leão

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp