14/11/2023 às 10h38min - Atualizada em 15/11/2023 às 00h05min

Jogo do Tigrinho: perspectiva jurídica sobre lavagem de dinheiro e fraudes virtuais

O jogo do Tigrinho é ilícito no Brasil, caracterizando-se como atividade clandestina

MP News
Divulgação
Luis Eduardo Belarmino*

O jogo denominado "Tigrinho" surge como uma atividade de azar online, ganhando notoriedade no cenário brasileiro em 2023. Possui uma operação na modalidade de caça-níquel, permite que usuários realizem apostas com a expectativa de obter prêmios. Importante destacar que a operação é conduzida por uma empresa estrangeira, desprovida de regulamentação no território brasileiro.

A promoção massiva nas redes sociais, conduzida por influenciadores digitais, alicerçou a popularidade do "Tigrinho". A disseminação de vídeos e publicações, evidenciando ganhos substanciais, contribuiu significativamente para a expansão do jogo.

Não obstante a sua proliferação, é imperativo ressaltar que o jogo do Tigrinho é ilícito no Brasil, caracterizando-se como atividade clandestina. Operando por intermédio de servidores situados em jurisdição estrangeira, os organizadores do jogo utilizam-se da sua popularidade para atrair jogadores, particularmente aqueles pertencentes a estratos socioeconômicos mais vulneráveis e propensos a comportamentos compulsivos relacionados a jogos de azar.

Adicionalmente, verifica-se uma prática enganosa na divulgação do jogo, mediante a veiculação de anúncios e vídeos que prometem ganhos desproporcionalmente altos. Este expediente atrai indivíduos financeiramente fragilizados, os quais se encontram suscetíveis a manipulações.

Além disso, é enganoso, pois as chances de ganhar são muito baixas. Segundo estimativas, as chances de um jogador acertar o número sorteado são de apenas 1 em 100. Isso significa que, para cada 100 jogadores, apenas um vai ganhar o prêmio

Os esquemas empregados pelos estabelecimentos de apostas para aumentar a vantagem da casa, incluindo o uso de máquinas caça-níqueis ajustadas para pagamentos inferiores às expectativas, reforçam a natureza desvantajosa dos jogos de azar.

Considerado como um jogo de azar o resultado é determinado pelo acaso, e não pela habilidade do jogador. Eles podem ser divididos em duas categorias principais: jogos de habilidade e jogos de sorte.

Os de habilidade são aqueles em que o jogador tem alguma influência sobre o resultado do jogo. No caso do pôquer, o jogador pode usar sua habilidade para fazer apostas estratégicas e ganhar mais dinheiro.

Os de sorte são aqueles em que o jogador não tem nenhuma influência sobre o resultado do jogo. Já no jogo de roleta, o jogador simplesmente aposta em um número ou cor e espera que a bola caia no seu número.

No geral, os jogos de azar são feitos para você perder dinheiro. Isso ocorre porque as casas de apostas ou casinos têm uma "vantagem da casa". A vantagem da casa é a diferença entre as probabilidades de ganhar e perder o jogo.

Todavia, no jogo de roleta, a casa tem uma vantagem de 5,26% . Isso significa que, para cada R$100 que você apostar na roleta, você espera perder R$5,26.

As casas de apostas e casinos usam uma variedade de estratégias para aumentar sua vantagem da casa. Eles podem usar máquinas caça-níqueis que são projetadas para pagar menos do que o esperado.

É importante lembrar que, mesmo que você seja um jogador habilidoso, você ainda tem uma chance maior de perder dinheiro nos jogos de azar do que de ganhar. Se você está pensando em jogar, é importante jogar com responsabilidade e não apostar mais do que pode perder.

Contudo, observa-se que se trata de uma pirâmide financeira, sendo um esquema que se fundamenta no recrutamento de participantes, prometendo retornos elevados e relativamente fáceis, a qual constitui um esquema fraudulento em que eles obtêm lucro com a entrada de novos membros, não mediante a comercialização de produtos ou serviços reais.

O modus operandi opera da seguinte maneira: os participantes iniciais são instigados a angariar novos integrantes, os quais efetuam um aporte financeiro para ingressar no esquema. E percebem uma parcela dos recursos provenientes desses novos, e assim sucessivamente.

A eficácia do sistema está condicionada à constante adesão de novos participantes. Quando o influxo de novos integrantes começa a declinar, o esquema entra em colapso, resultando na perda total dos recursos pelos membros mais recentes.

A disseminação do Tigrinho evidencia indícios de uma pirâmide financeira, contudo, são ilegais em muitos países, incluindo o Brasil.

Os crimes de pirâmide financeira são punidos de acordo com a legislação que trata dos delitos contra a economia popular, sendo tipificados pelo artigo correspondente. Há um projeto de lei em tramitação no Senado que busca estabelecer uma tipificação específica para esse tipo de crime.

Ocorreu a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.706/2021 pela Comissão de Segurança Pública (CSP). O PL prevê pena de até oito anos de reclusão para o crime de pirâmide financeira.

Isso um importante passo para o combate a esse tipo de crime. A pena de até oito anos de reclusão é uma punição significativa que pode dissuadir os criminosos de praticarem esse tipo de fraude.

A PL ainda precisa ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo Plenário do Senado. Se for aprovado por essas duas comissões, seguirá para a Câmara dos Deputados, onde também precisará ser aprovado.

Desse modo, a aplicação do artigo correspondente aos crimes contra a economia popular é feita por analogia para abranger os casos de pirâmide financeira, como na Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que dispõe sobre no artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/51, regulando que "obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes)”.

Com pena prevista de seis meses a dois anos de detenção e multa.

Sendo um modelo empresarial fraudulento que está destinado ao fracasso. Requer uma contínua aquisição de novos participantes, os quais, comumente, são obrigados a pagar uma taxa para ingressar na base do empreendimento, com a promessa de obter lucros ou benefícios exponenciais através da adição de novos membros. Consequentemente, somente o criador e, no máximo, um pequeno círculo de colaboradores, realmente prosperam.

Adicionalmente, há indícios de utilização do jogo do Tigrinho como ferramenta para lavagem de dinheiro. Este fenômeno assume diversas formas, incluindo a conversão de fundos ilícitos em legítimos por meio de depósitos e retiradas, aproveitando-se da dificuldade de rastreamento de transações em razão da operação estrangeira do jogo.

Uma maneira é que os criminosos usem o jogo para converter dinheiro sujo em dinheiro limpo. Para fazer isso, eles depositam dinheiro sujo na conta do jogo e, em seguida, retiram o dinheiro limpo. Como o jogo é operado por uma empresa estrangeira, é difícil para as autoridades rastrearem o dinheiro.

Outro modo de usar o jogo do tigrinho para lavar dinheiro é que os criminosos usem o jogo para ocultar a origem do dinheiro. Para fazer isso, eles podem usar o jogo para transferir dinheiro de uma conta para outra. Como o jogo é online, é difícil para as autoridades rastrearem as transações.

Exemplificando, um criminoso pode ter dinheiro sujo em uma conta bancária no Brasil. Ele pode então usar o jogo do tigrinho para transferir esse dinheiro para uma conta bancária em um país estrangeiro. Como o jogo é operado por uma empresa estrangeira, é difícil para as autoridades rastrearem a transação.

Portanto, verifica-se que há etapas da lavagem de dinheiro que se enquadra em jogos virtuais como cassinos e caça-níqueis, sendo elas a ocultação, e a colocação. 

Nas palavras de Luís Eduardo Belarmino   “a fase de colocação é o marco inicial da lavagem de dinheiro, na qual ocorre após obter o dinheiro de origem ilícita, o agente pode aplicar diretamente no sistema financeiro ou transferir para outro local”

Ainda discorre que “nesse liame, operam-se as atividades comerciais nas instituições financeiras podendo ou não ser bancária. Na maior parte, os indivíduos utilizam outros países para movimentar dinheiro, aqueles que possuem um sistema financeiro liberal (como paraíso fiscal e centros offshore).”

No caso do presente jogo, a fase de colocação pode ser realizada de duas maneiras:

•    Através de depósitos diretos na plataforma do jogo. Os criminosos podem depositar o dinheiro de origem ilícita diretamente na plataforma do jogo. Neste caso, o dinheiro é convertido em créditos para jogar.
•    Através de depósitos em contas de terceiros. Os criminosos podem depositar o dinheiro de origem ilícita em contas de terceiros, que podem ser de pessoas físicas ou jurídicas. Neste caso, o dinheiro é transferido para a plataforma do jogo.

Em ambos os casos, o objetivo é dificultar a identificação da origem do dinheiro. Os criminosos podem, por exemplo, utilizar contas de terceiros que não estejam sob seu nome. Além disso, eles podem realizar depósitos fracionados, para dificultar a identificação do valor total depositado.

A fase de colocação é fundamental para o sucesso do processo de lavagem de dinheiro. Se o dinheiro não for inserido no sistema financeiro ou em outra atividade econômica, ficará mais fácil para as autoridades identificarem-no e rastrear sua origem.

Considerando que o servidor está registrado em outro país, torna-se inviável determinar a movimentação financeira.

Em outra fase referente a ocultação o autor discorre ainda “o agente decompõe o dinheiro da sua origem, e passa-o em diversas transações, movimentações e conversões. Essas movimentações sendo bem-feitas dificulta a conexão com a ilegalidade e complica as provas contra o crime”.

Mas onde se encaixa no "jogo do tigrinho"? Visualizam-se três hipóteses:

•    Um criminoso pode depositar dinheiro sujo na conta do jogo do tigrinho e, em seguida, usar esse dinheiro para apostar no jogo. Se o criminoso ganhar, ele pode retirar o dinheiro limpo da conta do jogo.
•    Um criminoso pode usar o jogo do tigrinho para transferir dinheiro sujo de uma conta para outra. Um criminoso pode ter dinheiro sujo em uma conta bancária no Brasil. Ele pode então usar o jogo do tigrinho para transferir esse dinheiro para uma conta bancária em um país estrangeiro.
•    Um criminoso pode usar o jogo do tigrinho para misturar dinheiro sujo com dinheiro limpo. Ele pode ter dinheiro sujo e dinheiro limpo em uma conta bancária. Ele pode então usar o jogo do tigrinho para apostar com ambos os tipos de dinheiro. Se o criminoso ganhar, ele pode retirar o dinheiro limpo da conta do jogo.

Regulamentado Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a ocultação como o ato de "ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal". A Lei também define a integração como o ato de "introduzir no sistema financeiro ou em atividades econômicas lícitas bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal".

O jogo denominado "tigrinho", uma prática de azar ilícita que tem se disseminado em diversas regiões do Brasil, transgride o interesse tutelado pela Lei de Crimes contra a Economia Popular, notadamente, o resguardo da economia popular.

Manifesta-se mediante a atração preponderante de indivíduos de estratos socioeconômicos mais modestos, os quais, ao se engajarem nessa atividade, acabam por dissipar consideráveis quantias financeiras, ocasionando prejuízos significativos em seus orçamentos e comprometendo sua subsistência.

Ademais, o jogo do tigrinho opera de maneira clandestina, desprovido de qualquer regulação estatal e isento do recolhimento de tributos. Tal clandestinidade provoca impactos adversos sobre a economia formal, que constitui a principal fonte de receita para a parcela da população de baixa renda.

Por fim, a proliferação do jogo do tigrinho configura, sem dúvida, uma afronta caracterizada como delito contra a economia popular.

*Luis Eduardo Belarmino é advogado, especialista em Direito Desportivo pela Universidade do Minho, com Aperfeiçoamento em Direito Desportivo pelo Instituto de Direito Contemporâneo, pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal, membro Efetivo Regional da Comissão Especial do Acadêmico e Acadêmica de Direito da OAB/SP, diretor Crimes Contra a Ordem Econômica da Comissão Estadual dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional de São Paulo- CADEP/SP, autor da obra “Lavagem de dinheiro no Futebol”, coautor em diversas obras jurídicas, palestrante e professor da Pós-graduação de Direito Desportivo da EPD

 

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