24/10/2023 às 01h16min - Atualizada em 24/10/2023 às 01h16min

Escrivaninha

Do Cafofo do Dezena: Crônica Viva

Quem não tem sobre a escrivaninha, ao menos, um livro de crônicas, peca. Chego a ter dois ou três. Cada um com sua linha, seu jeito de nos trazer preciosidades do cotidiano. Fica o alerta: não é para pegá-los e ler de cabo-a-rabo. Crônicas são como muletas, os momentos adequados as pedem. Particularmente, quando estou tedioso, junto o meu Braga, o Sabino, o Diaféria, abro em uma página qualquer, e me entrego. Também dá certo, para aqueles apegados a títulos, escolher pelo sumário. Ao final, com a alma iluminada, marco com o lápis, para ter a certeza de que, na próxima vez, não lerei repetida.
Vamos lá, as escrivaninhas não podem ser muito pequenas. A tela do computador deve ficar à nossa frente na altura dos olhos, o teclado confortável junto ao mouse. A luminária (gosto das de aço escovado) sempre dá um ar de sobriedade. Lápis e canetas não devem faltar. Crendo ou não, a imagem de um santo ou santa deve ficar em um ponto estratégico. No meu caso, peco pelo excesso: São Judas, São Miguel, Santa Terezinha.
Mas, ainda resta muito espaço. O caderno, ou folhas em branco, deve ficar ao alcance das mãos. Como disse Drummond, se não anotamos uma ideia, ela se vai e a perdemos para sempre. Justamente, lembrei-me de Drummond, pois à escrivaninha não devem faltar dois livros de poemas. Um sobre o outro, lombadas viradas para você. Mas, tem de se ter o cuidado em formar o conjunto adequado. Por exemplo: João Cabral não combina com Gullar, fica uma certa aspereza no ambiente. Mas Vinicius ou Neruda acompanha muito bem qualquer um dos dois. Como se diz na culinária, harmoniza. Ao alcance das mãos, coloque o Drummond, para o caso de a dupla resolver se entender e não lhe dar atenção.
Alguns gostam de retratos de família. Acho que ocupam muito espaço e não me sinto à vontade para escrever e ler sendo observado.
Ah! Ia me esquecendo das faturas, os famosos boletos. Pelo amor de Deus! Não se esqueçam do cartão de crédito, do condomínio e do INSS da patroa. Importantíssimo. Se nesse momento lhe vier certa tristeza, não se intimide, rogue para o santo, vá lá no início, busque o cronista e siga vitorioso.

Fernando Dezena é escritor. Membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, Diretor da UBE – União Brasileira de Escritores e Curador Literário do Espaço Cultural da Boca do Leão

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