23/10/2023 às 15h37min - Atualizada em 23/10/2023 às 16h10min

Bianca Zamboim: Desistência de ação antes da citação da parte adversária não gera dever de recolher custas

Cobrança indevida viola os princípios da razoabilidade e do acesso à Justiça

Tadeu Rover
Divulgação


Por Bianca Zamboim*

Outubro, 2023 - A Lei Estadual de São Paulo 11.608, de 29 de dezembro de 2003, dispõe sobre a taxa judiciária incidente sobre os serviços públicos de natureza forense.

Em seu artigo 1º, referida legislação preceitua que:
 
Artigo 1º - A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos, passa a ser regida por esta lei.

Assim, da leitura do dispositivo, é possível afirmar que as custas processuais têm natureza jurídica de tributo, tratando-se de taxa judiciária devida pelas partes ao Estado, cujo fato gerador é a prestação de serviços públicos de natureza forense.

A discussão que se busca por sob análise consiste na avaliação acerca da legitimidade ou não da cobrança das custas iniciais, compreendidas estas como aquelas exigidas para que aconteça a abertura de uma ação que vai tramitar no Tribunal de Justiça, quando a parte autora informar nos autos a desistência da demanda, antes de ter sido perfectibilizada a citação da parte requerida.

Pois bem. Realizando a análise do dispositivo supramencionado, verifica-se que o tributo, na modalidade taxa judiciária, tem como fato gerador a “prestação de serviços públicos de natureza forense”.

Ocorre que, a aplicação de referida taxa, quando diante do recebimento pelo juízo de uma nova ação, não pode se dar de modo indistinto e ampliativo, devendo, para que, em verdade, reste configurada a prática do fato gerador indicado, ter ocorrido a angularização da relação jurídica processual, ou seja, a citação da parte ex adversa.

Segundo nos ensina grande parte da doutrina, a relação jurídica processual é formada por autor, réu e Estado-juiz, de modo que a angularização e perfectibilização somente ocorrem quando o réu é chamado, ou seja, citado, para exercer sua ampla defesa através do exercício do contraditório.

Nesse cenário, se a parte autora distribui uma demanda, mas antes mesmo de ter ocorrido a citação da parte ré, manifesta nos autos o seu interesse em desistir do processo, não há que se imputar sobre ela o dever de recolhimento das custas iniciais, tendo em vista que neste momento processual não se formou a relação que se exige para caracterização do fato gerador do tributo.

No mais, inaplicável à hipótese também é o artigo 90 do Código de Processo Civil, que preleciona:
Artigo 90 - Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.

Isso porque, segundo entendimento jurisprudencial lapidado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, tal dispositivo somente encontra acolhida se estivermos diante de um processo no qual a relação jurídica fora plenamente integralizada. Vejamos:
Tutela antecipada antecedente, em matéria societária. Petição da autora desistindo da ação, antes da citação da ré. Desistência homologada, tendo sido determinado o recolhimento das custas. Apelação. Impossibilidade de se atribuir o pagamento das custas à autora. Apesar de a desistência da ação obrigar, em tese, a parte autora ao pagamento das custas, nos termos do art. 90 do CPC, isto não se aplica na hipótese dos autos. De fato, desistência deu-se após a determinação de recolhimento das custas e antes de angularizada da relação processual. Inteligência do art. 290 do CPC. Precedentes do TJSP e do STJ. Reforma da sentença no ponto recorrido. Apelação da autora provida.
(TJ-SP - AC: 10000313720198260616 SP 1000031-37.2019.8.26.0616, Relator: Cesar Ciampolini, Data de Julgamento: 08/09/2021, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 08/09/2021).

PROCESSUAL CIVIL. CUSTAS. PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. ART. 90 DO CPC/2015. REGRA. INTERPRETAÇÃO. CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO. RECOLHIMENTO. DESNECESSIDADE. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Controvérsia inerente à responsabilidade da parte que desiste da ação originária, antes de angularizada a relação jurídica processual, motivada por alegada impossibilidade de pagamento das custas judiciais iniciais. 3. A desistência da ação, homologada por sentença judicial, obriga, em princípio, a parte autora ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 90 do CPC/2015. 4. Essa regra, todavia, não se aplica às hipóteses em que o não pagamento do encargo é exteriorizado por meio de desistência, antes da citação do réu, motivada pela impossibilidade de o autor arcar com as custas iniciais do processo, situação para a qual a lei processual prevê consequência jurídica própria, relativa ao cancelamento da distribuição, estabelecida no art. 290 do CPC. 5. O fato de o autor colaborar com a Justiça, adiantando que não pagará as custas processuais iniciais, de modo a dispensar a intimação para essa finalidade, não faz subsistir a distribuição do feito, não havendo falar em desistência de processo que tecnicamente nem sequer existiu, o que dispensa o recolhimento da taxa. 6. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (STJ - AREsp: 1442134 SP 2019/0027401-6, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 17/11/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/12/2020).

Muitos magistrados têm fixado em desfavor da parte autora o dever de recolhimento das custas processuais quando na inicial tiver sido realizado o pedido de gratuidade de justiça, e este tiver sido indeferido.

Ocorre que, somente se apresenta razoável o recolhimento das custas nesse caso, se a parte de fato tiver o propósito de dar andamento ao feito, sendo que, caso tenha procedido com a desistência de modo prévio à citação, não há que se falar em recolhimento de custas iniciais, sob pena de inscrição em dívida ativa, ante à simples apreciação do pedido de gratuidade.

Entendimento em caminho oposto seria uma patente violação aos princípios da razoabilidade e do acesso à justiça, insculpidos tanto no diploma processual, quanto na Constituição Federal.

Além disso, corroborando a essa vertente, não podemos perder de vista o que dispõe o artigo 290 do Código de Processo Civil, que determina que:
Art. 290. Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias.

Isso porque, referido dispositivo apenas determina que seja cancelada a distribuição da ação em caso de não pagamento das custas, não prevendo qualquer tipo penalidade, tal qual inscrição em dívida ativa, em caso de inadimplemento por desistência.

Assim, por todos os apontamentos e fundamentações exaradas, é que se pode concluir que ocorrendo a desistência da demanda antes de citada a parte adversária, não se poderá impor ao autor o dever de recolhimento das custas e despesas processuais iniciais, mesmo que tenha ocorrido previamente pelo magistrado, análise e decisão sobre eventual pedido de justiça gratuita, pois, caso contrário, teriam os sujeitos de direito a imposição de óbices ao acesso à tutela e prestação jurisdicional, o que não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio.

* Bianca Fregonese Zamboim é advogada no Granito, Boneli e Andery (GBA Advogados Associados). Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Sobre o GBA Advogados Associados
Formado por profissionais com alto conhecimento e experiência no Direito Público e Privado, o Granito, Boneli e Andery – GBA Advogados Associados foi fundado há mais de 40 anos, em Campinas (SP), e, após processo de fusão, em 2017, teve sua equipe completamente estruturada e solidificada. Com foco em Direito Empresarial, oferece suporte e assessoria jurídica a empresas e fundamenta-se em três pilares para a entrega com excelência: equipe com vasto conhecimento multidisciplinar com visões empresariais e econômicas abrangentes; atendimento personalizado; além de serviços completos, aprofundados e projetados de acordo com a necessidade específica de cada empresa, em vários campos de expertise. São eles: Crise Financeira e Recuperação Empresarial, Recuperação Judicial e Falência, Direito Tributário, Contratos Empresariais e Civis, Planejamento Patrimonial e Sucessório, Planejamento Societário, Direito Médico, Direito Imobiliário, Relações de Consumo e Direito Trabalhista. O GBA Advogados Associados é certificado pela ISO 9001 e foi reconhecido pelo anuário Análise Advocacia como um dos escritórios mais admirados do país. Além da sede em Campinas, conta com filiais em Cuiabá (MT) e São Luís (MA).

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