11/10/2023 às 15h39min - Atualizada em 12/10/2023 às 00h02min

Pesquisadora discute Direito à Saúde para pacientes oncológicos

Durante o outubro rosa, a biojurista Ana Thereza Meirelles debate aspectos do combate ao câncer na esfera jurídica

Faculdade Baiana de Direito e Gestão
Divulgação

Em outubro, mês dedicado à conscientização sobre o câncer de mama, através da campanha Outubro Rosa, é importante refletirmos sobre como o Direito desempenha um papel fundamental no contexto do direito à saúde, especialmente quando se trata do combate ao câncer. No Brasil, temos observado melhorias recentes na legislação relacionada ao câncer, como o Estatuto da Pessoa com Câncer (Lei 14.238/2021). No entanto, desafios persistentes, como a necessidade de alinhar a legislação com os avanços da medicina oncológica e as disparidades no acesso a tratamentos entre a saúde pública e a saúde suplementar, continuam a ser questões relevantes. 

Para entender essa complexa relação entre o Direito e a Oncologia, entrevistamos a especialista Ana Thereza Meirelles Araújo, vice-presidente da Regional Bahia da Sociedade Brasileira de Bioética e professora na UNEB e na Faculdade Baiana de Direito, onde coordena a Pós-graduação em Direito Médico, da Saúde e Bioética. Ela discute como a legislação está se adaptando para acomodar as novas possibilidades terapêuticas em Oncologia e como os juristas e profissionais do Direito estão buscando compreender de maneira mais profunda essa complexa disciplina médica. 

 

1. Como podemos, hoje, apontar a importante relação entre o Direito e a Oncologia, considerando a premissa do acesso à saúde?

Confirmando a ideia de que o Direito tem demandado cada vez mais um estudo aprofundado, em suas distintas áreas de atuação e pesquisa, podemos pensar que o direito da saúde é um segmento especial, que lida, de frente, com a vida, a sobrevivência e as integridades física e psíquica do ser humano, assim como a área médica da Oncologia. A relação entre o Direito e a Oncologia está justamente nessa característica especial. Novas possibilidades terapêuticas oncológicas, por vezes, demandam, para que se tornem efetivas e distribuídas de maneira mais justa, tanto mudanças na legislação, quanto conhecimento para atuação qualificada dos juristas, como advogados, como gestores ou como servidores públicos.   

 

2. Dentro do direito à saúde, as demandas judiciais oncológicas têm especificidade? O cenário atual dos novos tratamentos e possibilidades terapêuticas em Oncologia também deve interessar ao profissional do Direito?

As demandas judiciais oncológicas têm especificidade porque os recursos e as alternativas terapêuticas aumentaram. A compreensão do câncer como uma doença que envolve muitos fatores e se revela de maneira singular em cada paciente é um pressuposto fundamental para que se possa alcançar as especificidades que podem justificar uma demanda judicial em Oncologia. Hoje, o acesso aos recursos da oncogenética, por exemplo, por meio de testes preditivos, pode ser essencial para um paciente já diagnosticado ou não com câncer. Acrescente-se, também, que a medicina de precisão, pautada na identificação de terapias ou protocolos específicos de acordo com cada caso oncológico, tem se tornado elementar ao tratamento da doença. 

 

3. O estado atual da legislação sobre câncer no Brasil, o que inclui o Estatuto da Pessoa com Câncer (Lei 14.238/2021), está em compasso com a medicina oncológica hoje?

Se pensarmos nos últimos anos, houve uma melhora importante no cenário legal no Brasil. O desafio que persiste está no fato de que a evolução da medicina oncológica não é acompanhada paralelamente pelo Direito. Esse não acompanhamento se revela de distintas formas, como na morosidade do processo legislativo ordinário, que demora para criar leis ou para atualizá-las, na dificuldade de otimizar o processo de regulamentação dos novos fármacos, e, em especial, na necessidade de que a doença oncológica tenha disciplina emergencial e prioritária, seja pelo Estado, por meio de políticas públicas de prevenção e de tratamento especializado, seja pela saúde suplementar, onde muitas demandas judiciais têm ocorrido. 

Sabemos que o Estatuto da Pessoa com Câncer confirmou direitos e garantias fundamentais de pacientes oncológicos, lógica interpretativa já embasada na Constituição Federal. A lei trouxe previsão detalhada que deve fundamentar a cobertura de alternativas terapêuticas pelas saúdes pública e suplementar, protagonizando o diagnóstico precoce e a possibilidade de prevenção do câncer, além de confirmar a importância da medicina de precisão, estruturada numa visão mais personalizada do tratamento. 

 

4. No que tange aos dois setores, saúde pública e saúde suplementar, ainda temos diferenças importantes quanto ao acesso aos recursos necessários para tratamentos de doenças oncológicas? Quais?

Temos. Ainda há diferenças importantes. Hoje, a predição e a precisão são elementos centrais para que se possa antecipar precocemente a manifestação da doença e tratá-la de maneira correta, considerando informações que singularizam o câncer diagnosticado e o paciente. Sem prejuízo de que o cenário também não é ideal no âmbito da saúde suplementar, sabemos que os recursos da predição (revelados pela oncogenética) e da precisão (por meio das alternativas e terapias especializadas) não estão adequadamente disponíveis aos pacientes do SUS, sistema legalmente alicerçado nos princípios da universalidade de acesso e da integralidade da assistência. 

 

5. O Direito contribui ou se relaciona de que maneira com a esfera da prevenção da doença?

Primeiramente, devemos pensar que cabe ao Estado compreender a importância de executar políticas públicas efetivas sobre a prevenção e o tratamento do câncer. A educação em saúde, por meio de esclarecimentos que vão do incentivo a hábitos saudáveis de vida à formação de uma consciência sobre a necessidade de consultas médicas rotineiras, hoje, é cada vez mais relevante para a sociedade. Assim, o protagonismo do ideal de prevenção deve ser refletido pela busca dessa educação, em escolas, em universidades e no âmbito das mídias em geral. Atualmente, estudos econômicos já revelaram que é necessário avaliar, em larga escala, no âmbito do câncer, o potencial impacto do que são apontados como comportamentos de prevenção, recursos de predição e alternativas da medicina de precisão diante dos custos da doença. 

 

6. É possível falar, de alguma maneira, em responsabilidades social e civil quando se pensa em câncer?

Entendo que a doença demanda atenção e responsabilidade social. É necessário lutar pela consciência da possibilidade de prevenção e pelo acesso igualitário aos múltiplos recursos em prol dos distintos tratamentos. Estamos num mês em que há uma importante mobilização social para a consciência e a prevenção, mas também é imprescindível registrar que a atenção não deve ser descontinuada. A educação em saúde perpassa por essa consciência contínua. Juridicamente, sabemos que o panorama judicial das demandas oncológicas aponta para possíveis responsabilidades, seja pela não cobertura de terapias, cirurgias, exames e fármacos necessários ou pela demora que agrava e contribui para o constrangimento do paciente e/ou piora do quadro clínico. Na área do direito à saúde do paciente oncológico, continuemos a pensar que a evolução legal possa permitir a diminuição de demandas judiciais, seja na saúde suplementar ou no SUS, para que o acesso às terapias sempre ocorra de forma natural, a partir da necessidade de cada tipo de câncer e de cada paciente, bem como pautado na indicação terapêutica precisa do médico especializado.

 

Sobre Ana Thereza Meirelles Araújo

Pós-Doutora em Medicina e Saúde pelo Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da UFBA. Doutora em Relações Sociais e Novos Direitos pelo Programa de Pós-graduação em Direito da UFBA. Professora da UNEB, do PPGD-UCSAL e da Faculdade Baiana de Direito. Coordenadora da Pós-graduação em Direito Médico, da Saúde e Bioética da Faculdade Baiana de Direito. Vice-presidente da Regional Bahia da Sociedade Brasileira de Bioética.


 

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