Às margens do rio Cumaru, entre florestas densas, como as palmeiras de açaí, está a comunidade Santa Rita. Localizada no interior da Reserva Extrativista (Resex) Mapuá, uma imensa área de conservação e uso sustentável de florestas em Breves, município paraense no arquipélago do Marajó, a comunidade tem como uma das moradoras Rita Freitas, liderança comunitária que há anos se preocupa com o bem-estar dos moradores da Unidade de Conservação e, para isso, atua em parceria e se articula com diferentes organizações.
Foi assim durante a pandemia de COVID-19, quando a comunidade precisou se isolar do contexto urbano de Breves. Assim, moradoras e moradores sobreviveram ao vírus. Consequentemente, o distanciamento acentuou problemas sociais pela ausência do poder público em ações de saúde, alimentação e informação correta sobre prevenção e contaminação pela COVID-19.
Naquele contexto, Rita arregaçou as mangas e buscou parcerias para contribuir com a assistência e manutenção da vida comunitária. Em 2022, Rita contatou o Instituto Beraca, organização que era parceira de outras ações na região. A aproximação permitiu que a Resex fosse uma das localidades inseridas no projeto “Unidos contra COVID-19 em territórios agroextrativistas da Amazônia”, que atuou em outros três municípios: Oeiras do Pará e Anajás, na região do Marajó, e Porto de Moz, na região do rio Xingu.
A pandemia global de COVID-19 trouxe desafios específicos para a região da Amazônia, em particular para as comunidades agroextrativistas, resultantes de sua geografia única, demografia, infraestrutura e questões socioeconômicas. A Amazônia, especialmente em áreas mais remotas, possui infraestrutura de saúde limitada. Muitos municípios não têm leitos de UTI ou equipamentos adequados, tornando a região particularmente vulnerável a um surto.
A geografia desafiadora da Amazônia significa que muitas comunidades são acessíveis apenas por barco ou pequenos aviões. Isso torna extremamente difícil para as pessoas dessas comunidades receberem tratamento em tempo hábil. Muitas comunidades indígenas têm sistemas imunológicos que não foram expostos a muitas doenças comuns fora de suas comunidades. Isso os torna especialmente suscetíveis à COVID-19. Além disso, essas comunidades muitas vezes enfrentam barreiras linguísticas, culturais e geográficas no acesso à saúde.
Durante a pandemia, houve um aumento nas atividades de desmatamento e mineração ilegais. Estas atividades não só prejudicam o meio ambiente, mas também trazem forasteiros que podem introduzir o vírus em comunidades anteriormente isoladas. Em algumas áreas, a desinformação sobre a COVID-19 prevaleceu, levando a práticas inseguras ou resistência a medidas preventivas. Muitas pessoas na região dependem do comércio diário ou de atividades informais para sua subsistência. As restrições da pandemia afetaram gravemente suas fontes de renda.
Vacinação
A imunização contra a COVID-19 é reconhecida como a defesa mais eficaz contra o SARS-CoV-2, mesmo diante de suas variantes. Por mais que o uso de máscaras e distanciamento social sejam medidas importantes, a vacinação é essencial não só para a proteção individual, mas para a coletividade. Ao vacinar-se, o indivíduo reduz a possibilidade de transmitir o vírus a outros, contribuindo para o controle da pandemia.
“Quando a vacina chegou na região, não sabíamos, de fato, como seria distribuída e se chegaria até as nossas comunidades. Acontece que chegou, porém, muita gente era contra se vacinar por conta das notícias falsas (fake news), que circulavam, principalmente, em aplicativos de mensagem instantânea. Foi preciso muita conversa. Algumas pessoas só entenderam que não se tratava de uma gripezinha depois da perda de entes queridos”, destaca Rita Freitas.
Com apoio das secretarias municipais de Saúde, o IB distribuiu 5.264 doses da vacina, imunizando 3.357 pessoas. Entre julho de 2022 e agosto de 2023, período de implementação do projeto, 583 pessoas atendidas pelo projeto receberam a primeira dose da vacina. Considerando que as ações das Caravanas de Saúde, que levavam atendimento clínico e psicossocial, além de vacinação, ocorreram até final do primeiro semestre de 2023, significa que mesmo após quase dois anos do início da vacinação no Brasil ainda havia pessoas sem tomar a primeira dose, muito em virtude da resistência, por conta de fake News, quanto pela dificuldade de acesso ao imunizante, o que foi vencido graças ao projeto. As caravanas ocorriam com apoio de parceiros de articulação local, que ajudavam a mobilizar os moradores dos territórios para que tivessem acesso às ações, que em geral, ocorriam em barcos que passavam dias circulando os rios de cada região, com enfermeiros, psicólogos, técnicos em saúde e demais equipes do projeto.
Ainda acompanhando os dados, 700 pessoas receberam a segunda dose e 2.074 tiveram acesso às doses de reforço durante as ações do projeto. Mulheres foram mais imunizadas do que os homens, refletindo uma tendência histórica de maior procura feminina por cuidados preventivos de saúde.
Panorama por faixa etária e município
Adultos entre 18 e 59 anos foram os mais imunizados, especialmente com doses de reforço. Entretanto, crianças de zero a 11 anos também apresentaram números expressivos no esquema vacinal primário. No aspecto municipal, Breves se destacou com o maior número de vacinados, principalmente devido à eficácia das Caravanas de Saúde e à aceitação da população local à imunização. No município, foram aplicadas 2.355 doses de vacinas contra a COVID-19.
As Caravanas de Saúde também permitiram que as secretarias municipais ampliassem a oferta de vacinas contra outras doenças, contribuindo para a saúde geral da população. No total, 5.754 pessoas foram beneficiadas com a multivacinação.
A pandemia expôs complexidades e desafios de levar saúde a áreas remotas, como em grande parte da Amazônia. Mesmo diante dos obstáculos, os esforços conjuntos de organizações e comunidades locais têm feito a diferença. A vacinação, mais do que nunca, demonstra ser uma ferramenta essencial na promoção da saúde pública e no enfrentamento de crises sanitárias, como a da COVID-19.
Mulheres negras e adultas: um público vulnerável
Conforme a análise e triangulação dos dados, as mulheres adultas, em particular as que se autodeclaram pretas ou pardas, formam a maioria das pessoas que procuram os serviços de saúde. Este dado é consistente com estudos recentes que destacam que, no Brasil, mulheres e pessoas negras foram desproporcionalmente impactadas pela pandemia.
Em maio de 2020, 59,3% dos 10,1 milhões de desempregados eram pessoas pretas ou pardas. Esse número cresceu ainda mais até novembro daquele ano, com 62,6% dos 14 milhões de desempregados sendo pessoas pretas ou pardas, o que coincide com o período de agravamento da pandemia.
Triagem clínica por COVID-19
Durante as caravanas, foram realizados atendimentos clínicos de saúde, que iniciavam com uma triagem. Esse processo revelou uma observação preocupante: a maioria das pessoas indicou ter tido contato com o vírus. Mesmo sem realizar testes formais, as pessoas reconheceram sintomas característicos da doença.
A pandemia sublinhou a importância do atendimento clínico. Os profissionais de saúde desempenharam um papel essencial, desde a triagem e diagnóstico até o tratamento de pacientes. A COVID-19 apresenta um espectro variado de manifestações. Portanto, a identificação precoce de sintomas e o tratamento adequado são cruciais.
“A triagem foi o momento de observarmos se as pessoas tinham o perfil do projeto, ou seja, se tiveram ou estavam com sintomas de COVID-19. Em virtude da ausência de uma presença contínua de ações de saúde, muitas pessoas procuravam a triagem para outros assuntos e nós, como profissionais de saúde, acolhíamos”, enfatiza Felipe Valino, enfermeiro responsável pelos atendimentos. “As ações do projeto desenvolvido pelo Instituto Beraca ajudaram a dar continuidade ao trabalho que nós fazemos no território. Em virtude das questões geográficas, temos dificuldades em seguir um acompanhamento mais frequente, então a realização do projeto permitiu estarmos mais vezes nas comunidades”, conta Luan Cardoso, coordenador de imunização da prefeitura municipal de Breves.
Durante as caravanas, 206 pessoas foram atendidas por apresentarem sintomas da COVID-19 ou estarem sofrendo de síndrome pós-COVID-19. Dessas, 105 eram do gênero feminino e 101 do gênero masculino, 144 estavam na faixa etária de 30 a 50 anos, 162 se autodeclaram pardas, 19 pretas, 12 brancas, duas amarelas e 11 optaram por não declarar raça ou cor. Os principais sintomas Pós-COVID-19 relatados pelos pacientes atendidos foram: cansaço/dispneia, dor de cabeça e dor no corpo.
Estes dados realçam a realidade preocupante da pandemia, particularmente para mulheres adultas e negras na Amazônia. É essencial que sejam priorizadas ações como essas, focadas nesses grupos vulneráveis, garantindo que recebam a atenção e os cuidados necessários para enfrentar os desafios da COVID-19 e suas consequências a longo prazo.
Depois de meses de atividades do projeto, Rita Freitas pode sorrir novamente. Sua comunidade estava imunizada e ciente dos cuidados que deveriam tomar. Ela mesma passou a investir na articulação de outras comunidades para que aproveitassem as ações do projeto e se dedicou a disseminar boas práticas para evitar contágio com a COVID-19.
O projeto “Unidos contra COVID-19 em territórios agroextrativistas da Amazônia” é uma realizado do Instituto Beraca com apoio da USAID, SITAWI Finanças do Bem, NPI Expand e Beraca - a Clariant group company.
Para saber mais sobre o projeto, acesse o perfil no Instagram: @institutoberaca.
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