06/09/2023 às 16h12min - Atualizada em 07/09/2023 às 00h07min

América Latina e os votos em tempos de violência

*Guilherme Frizzera

Valquiria Cristina da Silva Marchiori
Rodrigo Leal

No último dia 20 de agosto, os equatorianos dirigiram-se às urnas para o primeiro turno da eleição especial, destinada à Presidência da República e ao Congresso Nacional. Este pleito ganhou notoriedade devido ao assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, bem como pelas violências perpetradas contra os concorrentes ao Congresso. Os atos de violência registrados no Equador espelham a crua realidade de um país imerso em um aumento exponencial de homicídios, nos últimos anos, agravado pelo período da pandemia de Covid-19. A escalada na taxa de homicídios, presume-se, está intrinsecamente ligada à disputa logística entre os cartéis internacionais de drogas da Colômbia, Peru e México, que consideram os portos equatorianos como pontos cruciais nas rotas de distribuição de entorpecentes.

O cenário de violência que assola o Equador não se restringe unicamente a essa nação. Toda a América Latina enfrenta um acréscimo acentuado nas ocorrências de violência, e essa questão tem ocupado espaço central nos discursos eleitorais recentes. Para uma compreensão mais ampla do panorama político latino-americano, é crucial lançar um olhar para El Salvador.

Esse país da América Central, El Salvador tem se destacado por conta do presidente, Nayib Bukele. Com apenas 42 anos, o jovem líder tem se notabilizado por implementar ações enérgicas contra a violência endêmica, que historicamente aflige o país. Em resposta às gangues que há muito tempo dominam as ruas, Bukele adotou uma política de tolerância zero, resultando no aprisionamento em massa de suspeitos com ligações a qualquer desses grupos. Tal abordagem conduziu a uma significativa redução nos índices de violência em El Salvador.

Se a violência, talvez, seja o principal desafio do país e, se de fato, o encarceramento em larga escala logrou substancial o decréscimo nos índices de homicídio, pode-se supor que a política adotada seja eficaz. No entanto, a realidade não é tão simplista assim.

A estratégia de encarceramento em massa levou El Salvador a ostentar a maior população carcerária proporcional do mundo, com 2% de seus habitantes  atrás das grades. Em comparação, no Brasil, mais de 800 mil indivíduos estão presos, figurando como a terceira maior população carcerária global, porém, equivalendo a apenas 0,4% da população total do país. Além disso, Bukele suspendeu direitos e garantias individuais ao instaurar um estado de exceção, concedendo, por exemplo, autorização às forças policiais para efetuarem prisões sem mandado, assim como acesso à comunicação privada sem ordem judicial.

Ademais, Bukele governa por meio das redes sociais, lançando enquetes e tomando medidas baseadas no que a "população" solicita, desconsiderando se tais ações estão em conformidade com as leis ou as instituições do Estado salvadorenho. Esse conjunto de medidas resultou em uma elevada taxa de aprovação, que supera 80%, por parte do eleitorado.

O sucesso do presidente de El Salvador tem suscitado o surgimento de candidatos "bukelizados" por toda a América Latina. São postulantes que flertam com a política de mão firme. No âmbito da segurança pública, frequentemente capitalizando em eventos de repercussão nacional. Isso ocorre na Argentina, onde Patrícia Bullrich, ex-secretária de segurança pública do país, buscou ganhos eleitorais a partir de um homicídio, envolvendo uma menor de idade. No Equador, tanto a esquerda e como a direita, possuiam candidaturas propensas a medidas excepcionais no combate à violência no país.

Na década de 2010, o tema predominante nas eleições latino-americanas era o combate à corrupção, visto como a solução para todos os problemas. Já na década de 2020, aparentemente, o desafio antigo e o enfrentamento à violência emergiu como o novo pilar de solução das mazelas da região. Em virtude disso, questões complexas como o aumento da pobreza, a crescente disparidade de renda, altas taxas de desemprego e desalento, acrescentando a baixa produtividade latino-americana, têm sido relegadas a segundo plano entre as prioridades eleitorais, sendo até mesmo consideradas irrelevantes por algumas lideranças e partidos políticos. Quiçá a solução ideal, segundo essa visão de mundo, seja uma população carcerária de 98%, deixando apenas 2% da população em liberdade.

(*) Guilherme Frizzera é Doutor em Relações Internacionais pela UnB e coordenador do curso de Relações Internacionais da Uninter

 


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