23/08/2023 às 09h55min - Atualizada em 23/08/2023 às 16h06min

Para os jovens migrantes venezuelanos no Brasil, drogas, ouro e morte prematura (BR)

Por Emily Costa, Mariana Rios e Rodrigo Chagas

Assessoria de Imprensa
Diane Sampaio
Miguel tem um novo emprego. Parece que está gerindo uma cafeteria — no local que supervisiona, um jovem serve café a um grupo de rapazes, todos com menos de 18 anos, sentados em volta de uma mesa de madeira num palmeiral com vista para um pequeno riacho.

Mas os rapazes não estão lá para o café. Estão atrás das drogas.

Miguel* veio para o Brasil saindo de sua terra natal, Venezuela, há seis anos, para escapar da crise econômica, política e humanitária que abala seu país há quase uma década. E sua nova função — administrar um ponto de drogas em Boa Vista, capital de Roraima — é uma recompensa de seu empregador.

O seu empregador é o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção nascida nas prisões de São Paulo na década de 1990, com ramificações em todo o Brasil, ligações com grupos criminosos em países vizinhos e ultimamente uma forte presença na região amazônica. Lá, o PCC se diversificou e encontrou novas formas de se financiar: além do tráfico de drogas, é ativo na extração ilegal de ouro e na pesca clandestina.

Então, como um venezuelano se tornou uma engrenagem de confiança na máquina de uma facção brasileira?

Miguel, um homem carismático de 30 e poucos anos, cruzou a fronteira com o Brasil em 2014, na cidade de Pacaraima, cerca de 200 Km ao norte de Boa Vista. Um ano antes, a economia da Venezuela havia entrado em colapso sob o peso da turbulência política, da corrupção generalizada e do declínio devastador de seu setor de petróleo, que sempre fora a espinha dorsal econômica do país. A situação piorou em 2017, quando os Estados Unidos impuseram sanções financeiras e econômicas, isolando ainda mais a economia em dificuldades da Venezuela, que já estava lidando com a hiperinflação.

Para muitas famílias, não restou muito além da miséria, que fez com que mais de 7 milhões de venezuelanos, especialmente jovens, deixassem o país, desde 2014, de acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Quase 500 mil migraram para o Brasil.

É comum que famílias venezuelanas inteiras durmam dias ou semanas nas ruas de Pacaraima enquanto esperam para obter os documentos que precisam para entrar legalmente no Brasil. Alguns ficam por ali, construindo abrigos improvisados de lona e papelão, porque não têm condições financeiras para continuar sua jornada ou não querem se afastar da fronteira de sua terra natal.

Quando chegou, Miguel passou algumas semanas numa casa com outros venezuelanos, compartilhando o espaço com outras pessoas em trânsito que precisavam de abrigo a preços acessíveis, bem como algumas que estavam envolvidas no tráfico de drogas em pequena e grande escala. Quando a polícia invadiu a casa, ele conta, foi preso junto com outros moradores.

“Eles nos amarraram uns aos outros e nos fizeram andar pelas ruas de Pacaraima. Eu nunca tinha sentido tanta vergonha em toda a minha vida”, diz ele.

Ele acabou na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, onde ficou alojado em um pavimento de celas com líderes do PCC. Eles se consideravam mais civilizados do que os outros grupos, porque respeitavam uma espécie de código de conduta e de apoio mútuo.

Recrutado na prisão pelo PCC, começou a vender drogas para o grupo criminoso depois de ser libertado. Trata-se de um ofício aprendido pelo exemplo. Ele fala da “fraternidade”. “Qualquer um pode falar, até um papagaio pode falar. Agora, quero ver como alguém vive a vida do crime”, reflete.

Carlos Alberto Melotto, promotor de justiça do Ministério Público de Roraima, comenta que os presos venezuelanos são recrutados em presídios por facções brasileiras. Ele disse que os investigadores também detectaram comunicação entre líderes de baixo nível do PCC do Brasil e homens ligados ao Tren de Aragua, um grupo criminoso venezuelano que nasceu na penitenciária de Tocorón, no estado de Aragua, vizinho à capital Caracas e a mais de 1.200 quilômetros da fronteira com o Brasil.

Como o PCC, a organização venezuelana aproveita o fluxo de migrantes para expandir sua influência, estabelecendo alianças para o tráfico de drogas e ouro, além da exploração sexual de mulheres. É uma das principais organizações criminosas da Venezuela, operando não apenas em Roraima, mas em outros estados do Norte do Brasil e, segundo especialistas, tem conexões também na Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.

*Para conferir a reportagem completa, clique aqui.

 
** Crédito: O Amazon Underworld é uma investigação conjunta da InfoAmazonia (Brasil), Armando.Info (Venezuela) e La Liga Contra el Silencio (Colômbia). O trabalho é realizado com o apoio da Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center e financiado pela Open Society Foundations, pelo Foreign, Commonwealth & Development Office do Reino Unido e pela International Union for Conservation of Nature (IUCN NL).

Este conteúdo foi distribuído pela plataforma SALA DA NOTÍCIA e elaborado/criado pelo Assessor(a):
U | U
U


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp