26/07/2023 às 01h39min - Atualizada em 26/07/2023 às 01h39min

Cão e pássaros

DO CAFOFO DO DEZENA: CRÔNICA VIVA

Há alguns dias, passagem do ciclone em São Paulo, que trouxe ventos fortes, destruição e morte, muito mais no Sul, eu sei, estava em Santos me preparando para uma palestra na Associação Comercial do Guarujá. Quarto de hotel, vigésimo sexto andar, mar azul frente à janela, encrespado com a força do vento, naquele momento ainda moderada, quando me lembrei que, se os ventos se intensificassem pela manhã, teria dificuldades com a balsa. A invenção, que remonta os primórdios da humanidade, continua a ser o único caminho entre as duas cidades pela Ponta da Praia. Madrugada, acordei com rajadas uivando. Deixei o problema para a manhã seguinte. Sempre faço assim quando uma preocupação me arranca do sono: “Agora você não vai conseguir resolver, durma e deixe para amanhã — ordeno para o cérebro.” Às vezes funciona. Confesso, poucas vezes funciona. Mas, só de fazer a afirmação, desviei o pensamento.
Bora lá! Pela manhã, não havia vento, o céu continuava limpo, o mar tranquilo e a balsa ia e vinha com os carros e seus ocupantes. O sol brotava sobre o Iate Clube vermelho como um pimentão.
No Guarujá, Casa Grande Hotel, dez da manhã, plateia presente, entre quitutes, palestras e conversas, o vento tornou com intensidade. Após a varanda, podia ver as ondas do Atlântico debaterem-se ferozes em espumas brancas contra a areia da praia da Enseada.
— A recepção era para ser lá fora. Olha que vista maravilhosa, mas o vento… — justificou-se o anfitrião.
Marco, colega de trabalho, que me acompanhava, disse:
— Minha cachorra não tem medo de barulhos e rojões, mas de vento. Muito antes de começar ela percebe e fica maluca.
Lembrei-me de uma crônica do Ricardo Ramos Filho: No olho do furacão, quando nos reportou o silêncio dos pássaros fazendo uma analogia ao difícil momento político. Não pretendo fazer o mesmo, mesmo porque a pena do Ricardo é muito mais pesada que a minha e certamente menos vacilante. Pensando bem, poderia arrumar um pássaro ou um cão; ou os dois. Podem ser úteis. Sabem como é, ao menos os casados sabem. Quando chegasse em casa e o Totó não viesse em festa me receber, olhasse para o poleiro e o Peninha, antes da hora, estivesse com a cabeça sob a asa, entraria com cuidado, pé ante pé. Um furacão certamente estaria a minha espera.
Fernando Dezena é escritor. Membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista, SP, diretor da UBE – União Brasileira de Escritores e Curador Literário do Espaço Cultural da Boca do Leão.

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