23/06/2023 às 16h50min - Atualizada em 26/06/2023 às 12h01min

Quântica, espiritualidade, Deus e um táxi

Daniel Guimaraes Tedesco (*)

SALA DA NOTÍCIA Valquiria Cristina da Silva Marchiori
Rodrigo Leal

Eu me considero uma pessoa bastante curiosa, mas uma curiosidade no sentido de compreender o mundo ao meu redor, não de forma invasiva ou fofoqueira. Isso me levou a fazer tanto Física quanto Teologia. Recentemente, duas leituras me chamaram a atenção, falando justamente sobre essa relação entre espiritualidade e mecânica quântica.

A primeira foi a fala da física alemã Sabine Hossenfelder que compartilhou uma experiência interessante que teve em um táxi, na qual um rapaz lhe perguntou: "Um xamã me disse que minha avó ainda está viva por causa da mecânica quântica. Isso é verdade?".

A outra foi um compartilhar em um grupo de discussões sobre Ciências e Religião de um artigo que falava sobre a relação entre a ação divina (intervenção ou influência de Deus no mundo) e a mecânica quântica. Mas o que mais me chamou atenção nesse artigo foi o fato de termos essa linha de pesquisa, com a participação do Observatório do Vaticano!

Pois bem, acredito que podemos tirar boas conclusões com essas leituras.

A primeira é que existe um uso da ciência e de seu método para justificar crenças, dando um suporte que é inerente à ciência de fato. A palavra "quântica" é frequentemente utilizada em diversos contextos para conferir uma aura de legitimidade científica à ideias que podem não estar diretamente fundamentadas na Física Quântica em um processo de “apropriação quântica". Além disso, a apropriação de termos científicos é uma falácia de apropriação de autoridade, comum nas pseudociências. Ao associar esses termos a algo popularmente conhecido na ciência, elas tentam criar uma aparência de validação científica. Isso pode confundir o público que não possui conhecimento científico para discernir o que é realmente científico e o que não é. A educação científica é fundamental para ajudar a população a não ser enganada por pseudociências.

As terapias quânticas e os "coachs quânticos" são exemplos de pseudociências que se apropriam do conceito da mecânica quântica para promover abordagens terapêuticas ou de coaching que afirmam estar fundamentadas na Física Quântica. No entanto, é importante destacar que essas práticas não têm base científica sólida e são amplamente consideradas pseudocientíficas. Os terapeutas quânticos e coachs quânticos afirmam que a mecânica quântica pode ser aplicada à mente, emoções e até mesmo ao corpo físico. Eles usam termos como "energia quântica", "frequência vibracional" e "salto quântico" para descrever processos terapêuticos ou de desenvolvimento pessoal. Essas abordagens geralmente envolvem a crença de que é possível influenciar a realidade por meio do pensamento, da visualização e da intenção, usando a mecânica quântica como justificativa. Eu, como físico, vejo as hipóteses que tem a sua lógica baseada em alguma linha argumentativa, mas que devem ser testadas com uma boa metodologia.

Outra conclusão sobre o xamã quântico, mas trazendo para o lado acadêmico, é que podemos responder perguntas sobre a existência, a vida e a morte, entre outras coisas, usando a Física como prerrogativa. Esta entrevista da Sabine foi um momento muito prazeroso sobre como podemos pensar no “agora” como um instante fugaz entre o passado e o futuro e sobre a eternidade da nossa matéria e energia post mortem (pós morte), que realmente é reconfigurada no universo (veja que não estou falando de vida eterna e sim matéria e energia eterna).

Indo em direção ao estudo da ação divina, é importante procedermos com cautela. No artigo do físico-teólogo Robert Russel, fundador e diretor do Centro para Teologia e Ciências Naturais no Graduate Theological Union, em Berkeley, encontramos uma abordagem mais filosófica, na qual ele propõe uma visão não-intervencionista da ação divina. Segundo essa perspectiva, Deus age objetivamente por meio dos processos quânticos, utilizando-os como uma forma de providência especial. Isso implica que Deus não interfere diretamente no mundo de maneira sobrenatural, mas age por intermédio dos processos naturais da mecânica quântica para realizar sua vontade. Confesso que fiquei bastante intrigado com as ideias de Russel, que propõe uma abordagem fundamentada na estrutura ontologicamente aberta da mecânica quântica. É uma perspectiva bastante perspicaz!

Embora considere essa hipótese interessante, é importante ressaltar que ainda não conseguimos formalizar esse estudo, nem teologicamente, nem experimentalmente. Obviamente, isso não invalida a importância desse trabalho, nem é um problema pseudocientífico, como os mencionados anteriormente. No entanto, devemos ter cuidado ao utilizar um texto como esse em uma pregação, pois pode acabar sendo utilizado para sustentar e/ou conferir credibilidade a discursos, transformando-o em uma "doutrina". Nesse caso, estaríamos nos aproximando do fenômeno de apropriação científica, o que pode ser perigoso.

Como conclusão, posso dar um conselho: se encontrar o uso da palavra "quântica" em diferentes contextos; adote sempre uma abordagem crítica para investigar se as afirmações estão fundamentadas na ciência real ou se são uma apropriação equivocada dos conceitos da Física Quântica. 

(*) Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ e professor de Matemática e Física dos cursos de Exatas da Escola Superior de Educação no Centro Universitário Internacional Uninter.


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