24/05/2023 às 14h13min - Atualizada em 25/05/2023 às 00h00min

Trabalho escravo nos dias atuais “o homem é o lobo do homem” 

Priscilla Bortolotto Ribeiro (*) 

SALA DA NOTÍCIA Valquiria Cristina da Silva Marchiori
Rodrigo Leal

É inegável a importância do trabalho, através dele a pessoa transforma o meio em que vive e a si mesmo. Protegido pela Constituição Federal, o trabalho pode ser visto como um instrumento de valoração pessoal e social, porém, nem todo trabalho “dignifica o homem” e em alguns pontos tenho que concordar com o filósofo Thomas Hobbes, pois ainda, o “homem é o lobo do homem”, justifico, pois em pleno século XXI nos deparamos com casos de trabalhadores, exercendo suas atividades de forma análoga ao de escravos.  

Considera-se trabalho realizado em condição análoga à escravidão aquele que submete ao trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho – ausência de higiene básica e segurança, restrição de locomoção qualquer que seja a forma, muitas vezes, com a retenção de documentos e objetos pessoais. 

No ano de 2011, escrevi um artigo para concluir a especialização e pensei: “O mundo está progredindo, com a tecnologia e a rapidez das informações as pessoas vão evoluir cada vez mais e em breve, este tema será apenas uma parte triste da história”, mas infelizmente, era apenas uma visão do mundo através dos olhos de Pollyanna, hoje, passados 12 anos, ao verificar os dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) - que naquele ano de 2011, a inspeção do trabalho constatou 2.496 casos de trabalho análogo ao de escravo, porém,  em  2022, foram constatados 2.575 casos1, ou seja, embora exista punição prevista no artigo 149 do Código Penal com a pena prevista de 2 a 8 anos de reclusão e multa, os casos não diminuíram e muito menos deixaram de existir. 

Os meios que se utilizam do trabalho escravo moderno são os mais variados, ocorrem em fazendas de difícil acesso ou em ambiente doméstico, que geralmente retiram menores de idade de seus lares com a promessa de boas oportunidades e falsas promessas de cuidados. Ocorre na indústria da pesca, onde as pessoas não possuem a possibilidade de locomoção, e o que até parece difícil de acreditar que exista, por estar em frente aos olhos em grandes centros: o trabalho análogo à escravidão no setor da construção civil, quando trabalhadores, na sua grande parte com baixa escolaridade, são recrutados para trabalharem em locais distantes da sua origem e têm apreendidos os seus documentos, objetos pessoais e sem recursos financeiros,  não conseguem se desvencilhar da situação.  

O fato é que o trabalho escravo moderno existe, e nós como consumidores temos mais poderes do que imaginamos. A nossa responsabilidade perante os inúmeros casos é de questionarmos qual é a origem do produto e dos serviços, e para ajudar, existem ferramentas, como a “lista suja”, que foi reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e traz o cadastro de empregadores - incluídos após ocorridas as decisões que não cabem mais recurso - que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. E, ainda, ao tomar conhecimento de caso é imperioso fazer a denúncia aos órgãos competentes, que pode ser realizada até de forma anônima através do Sistema Ipê: www.ipe.sit.trabalho.gov.br, da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), práticas estas que nos distanciam do animalesco, de “sermos lobos”, e nos aproxima da humanidade.

* Priscilla Bortolotto Ribeiro é especialista em Direito do Trabalho, professora e tutora dos cursos de pós-graduação do Centro Universitário Internacional – UNINTER. 

  


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