09/03/2015 às 11h41min - Atualizada em 09/03/2015 às 11h41min

Impeachment É Para Os Fracos

Contribuição do Diretor da ABCOP-CE Aurizio Freitas

Aurizio Freitas

Nas últimas semanas há certa agitação, especialmente nas redes sociais, sobre o tema "impeachment da Presidente Dilma Rousseff". Mesmo no fevereiro carnavalesco, que naturalmente distancia as pessoas do debate político, essa agitação manteve-se firme.

Consideremos alguns pontos:  

  1. Há pessoas bem intencionadas e interessadas em política marcando sua posição de forma saudável nas redes sociais, é verdade. Mas há também milícias virtuais ecoando suas teses a favor e contra, relembrando episódios e posicionamentos antigos para supostamente desgastar adversários políticos, recriando fantasmas e fazendo nascer novos temores. Paradoxalmente, o saldo desse processo é a desinformação, ou pior, a informação manobrada. A arte do engodo vai ganhando feições de obra-prima, de parte a parte. Já pedindo perdão pela ironia desportiva inevitável: uma "olimpíada de contrainformação". Consumir informação apenas, não é mais suficiente. É preciso que selecionemos a informação (rigorosamente), buscando-a em fontes diversificadas e confrontando-a;
  2. É preciso ter em mente que no Brasil vivemos sempre às vésperas de uma nova crise. O "presidencialismo de coalizão" combina perfeitamente com nossa herança cultural imperial: centralização de poder e de tributos, forte influência do Poder Executivo em relação aos poderes Legislativo e Judiciário e baixa representatividade dos partidos. No fundo a ideia de República Federativa ainda não foi de fato compreendida. Em um sistema parlamentarista, por exemplo, debela-se rapidamente uma grave crise com a formação de um novo governo através de articulações e composições no parlamento. Aqui estamos na via inversa: a do desgaste sistemático do Legislativo, por vezes com o aval de seus próprios líderes, e do seu esvaziamento como instituição, este que seria em tese o Poder mais democrático de todos. Não é o objetivo aqui avançar nesse debate agora, voltemos ao assunto;    
  3. Ao contrário do que tenho visto nas redes sociais e escutado em algumas rodas de conversa não há nem de longe semelhanças suficientes para comparar o momento atual com a situação política vivida no governo Collor de Melo em 1992. Collor se elege em 1989, na primeira eleição presidencial pós-redemocratização, com um discurso anti-institucional; ganha a eleição com um partido sem representatividade; governa sem programa; tem dificuldades em formar sua equipe e seu projeto não possui elos com a sociedade civil, nem base social de apoio. Governou perdendo força desde que assumiu, foi se esvaziando e se isolando de tudo o que representa poder organizado no país: empresariado, movimentos sociais, Congresso Nacional. Perde também o apoio popular com o fatídico confisco da poupança (março de 1990) e os sucessivos fracassos de seus Planos Econômicos (Plano Collor I em março de 1990, Plano Collor II em janeiro de 1991 e Plano Marcílio em maio de 1991). Collor ganha a eleição para evitar a vitória de Lula, demonizado pela "síndrome de Mario Amato" (referência ao então Presidente da FIESP que afirmou em plena campanha eleitoral que "se Lula ganhar esta eleição, 800 mil empresários vão deixar o país"). Como contraponto é preciso considerar que o PT não tinha de fato experiência de governo suficiente para se blindar contra este tipo de crítica. Com a adesão do PT a uma agenda moderada, com viés de uma esquerda social-democrata focada na luta pela justiça social, a aliança com forças políticas de centro e a consequente vitória em 2002 o mesmo Mario Amato afirmaria que "O mundo evoluiu e o Lula também";
  4. Dilma Rousseff é filiada a um partido com 35 anos de existência, vencedor de quatro eleições presidenciais, com experiência em governos estaduais e centenas de prefeitos e vereadores, organizado em todos os estados da federação e no Distrito Federal, possuindo ainda a maior bancada da Câmara (70 deputados federais) e a segunda no Senado (12 senadores), além de forte enraizamento na sociedade civil e nos movimentos sociais. Por uma combinação de fatores internos e externos, é possível dizer sucintamente que durante os governos petistas ampliaram-se conquistas sociais e se consolidou o poder de consumo dos brasileiros, sobretudo os de baixa renda. Algumas lideranças nacionais do PT articulam-se internacionalmente e solidarizam-se com o Chavismo e outros governos autoritários, é verdade, mas efetivamente não fazem (e nem há como fazerem) "cavalo de batalha" para implantação de uma agenda bolivariana por aqui. O PT, enfim, é uma força política importante e tem contribuições fundamentais à ainda não consolidada democracia brasileira.

                No atual estado de coisas é preciso tomar algumas medidas para efetivamente iniciar o novo governo. Eis a minha contribuição ao debate:

  1. Agir rápido estimulando o saneamento e a profissionalização da Petrobrás (uma Sociedade de Economia Mista, conforme definição do inciso III do artigo 5º do Decreto-Lei Nº 200, de 25 de Fevereiro de 1967: "entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta"). Basta para isso que prevaleça o seu papel de entidade da Administração Pública Indireta cuja gestão pressupõe-se ser descentralizada e, em outras palavras, com interferência do Governo apenas no que for devido, formando um corpo dirigente técnico de base meritocrática, dando preferência aos funcionários de carreira da empresa. Salvo alguma exceção brilhante, não há sentido em recrutar dirigentes para a Petrobrás ou para qualquer entidade com finalidade tão específica junto aos partidos políticos.  Em que pese a importância inegável dos partidos, certamente estes não são o locus mais adequado para este recrutamento;
  2. Dar total apoio às investigações por parte das diversas instituições envolvidas, sem compactuação ou interferência externa, visando a responsabilização dos culpados e não a responsabilização de terceiros. É o famoso termo "cortar na carne";  
  3. Corrigir os rumos econômicos, o que em parte já foi feito pelo chamado "pacote de maldades" do Ministro Joaquim Levy, embora algumas destas medidas mereçam revisão, sobretudo no que diz respeito a diminuição de mecanismos de seguridade social e ao aumento abusivo de impostos. Na verdade não se tratam de "maldades" ou de medidas "ideológicas", mas sim de um conjunto de ações que visam reequilibrar o orçamento. Hora de apertar o cinto e superar os equívocos da Nova Matriz Econômica, modelo do primeiro governo de Dilma e que brecou o crescimento do país, mostrando-se um misto de governança frágil com experimentalismo econômico de alto risco: manutenção de alta carga tributária em relação ao PIB (36% do PIB em 2012, contra 27% em 1997); intervenção do Governo forçando a Petrobrás a vender combustível importado a preço subsidiado (criando e mantendo uma bolha durante o ano de 2014, mas que inevitavelmente estouraria em 2015); intervenção do Governo para reduzir as tarifas de energia elétrica e as tarifas de transportes públicos; incentivo excessivo ao consumo e ao endividamento através de subsídios temporários em alguns setores; valorização do real frente ao dólar o que aumenta a compra de produtos importados em detrimento da indústria nacional; medidas de baixo impacto no enfrentamento da seca o que elevou os preços de alguns alimentos; gastos excessivos do governo com atividades-meio sem impacto direto para a população e, por fim, estes e vários outros fatores gerando desconfiança de investidores e a consequente perda de investimentos. Creio que se deva adotar uma receita segura: superávit primário, inflação no centro da meta e câmbio flexível. Além disso uma boa governança baseada no princípio da eficácia. Em se tratando de uma Economia Nacional o risco deve ser sempre muito bem calculado, do contrário as perdas serão enormes;  
  4. Debater com o congresso a revisão do pacto federativo, fortalecendo os municípios de forma justa e proporcional às suas responsabilidades que só aumentam a cada dia. O município é o ente federativo mais próximo do cidadão, onde sua vida acontece, e precisa ter condições de responder às demandas com maior profissionalização e mais recursos;
  5. Debater com o Congresso uma reforma política que fortaleça o parlamento e os partidos com a possibilidade de novos agrupamentos em forma de Federações Partidárias, voto facultativo, voto distrital misto e restrição das doações de campanha de empresas apenas para os partidos, com ampliado rigor de fiscalização por parte do Tribunal Superior Eleitoral (difícil e pouco realista tentar convencer a população de que o Estado, que historicamente tem sido incapaz de garantir os Direitos Sociais previstos na Constituição Federal, deve "bancar" o processo eleitoral); 
  6. Reconstruir a relação com os partidos da base em "novas bases" não arbitrárias e sem a tentativa de garantir a todo custo um "apoio mudo", mas sim dialogado (nisso já se tem avançado com a convocação de Michel Temer para a articulação junto ao PMDB e ao Congresso);
  7. Convocar a oposição para o diálogo e estabelecer uma agenda de consenso para os próximos meses. É preciso chamar a responsabilidade de todos para que o país não pare e consiga enfrentar a recessão em que está mergulhado.

Ademais, as Instituições estão agindo, apurando, denunciando e investigando e não há até o presente momento elementos suficientes para responsabilizar diretamente a Presidente Dilma pelos acontecimentos na Petrobrás. Evidente que o governo deve fazer sua parte e agir de forma institucional e republicana, muito da superação da crise depende do próprio governo. Sua ação deve responder de maneira consistente à legítima insatisfação e à agitação social que vivemos.    

Por fim, Dilma foi eleita pela maioria, pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros e deve reconstruir sua governabilidade fazendo as correções necessárias, tocar seu mandato e indicar um sucessor para a disputa em 2018, que vencerá democraticamente ou será derrotado democraticamente. Propor o impeachment da Presidente nesse momento é uma saída fácil, um caminho inoportuno que desestabilizaria politicamente um país que já tem tantos problemas e desafios. Se vier a acontecer da forma puramente revanchista que muitos desejam sofreremos suas consequências por muito tempo.

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