17/02/2020 às 15h39min - Atualizada em 17/02/2020 às 15h39min

Mas deu bode mesmo assim

Léo Coutinho

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Léo Coutinho

Quando vi a diva Alessandra Negrini com a cara pintada como uma índia, pensei: vai dar bode. E me assustei. Linda e pujante, ela ia acompanhada de Sonia Guajajara e outras lideranças do ativismo indígena. Mas deu bode mesmo assim.

Me assustei porque como paulistano tendo a achar normal que todo paulistano se reconheça como índio. Mas tenho acompanhado o carnaval de rua em São Paulo e o debate em torno da chamada “apropriação cultural”, e meu susto vem em perceber que achei que ia dar bode um milésimo de segundo antes de notar como estava linda a Alessandra.

Me esforço pelo reconhecimento, sei da dificuldade de me colocar no “lugar de fala” de quem bate o pé e insiste que a indumentária comum de determinados grupos não deve ser confundida com fantasia para outros.

A companhia da índia Guajajara teoricamente avalizava a personagem da atriz. Mas mesmo que não houvesse o aval, para mim deveria parecer natural que uma pessoa ligada a São Paulo, desfilando como rainha do Baixo Augusta, um dos maiores cordões da cidade, que reúne milhares no histórico caminho de Pinheiros, fizesse um gesto à índia Bartira, madrinha de todos nós paulistanos.

A diva Negrini frisou que o gesto era uma posição política contemporânea: a defesa dos povos indígenas, seus territórios e culturas, ainda e atualmente cada vez mais ameaçados. Porém me parece que, se a historia fosse conhecida e reconhecida, o debate público estaria em melhor situação.

Outro dia fui brincar na Charanga do França em Santa Cecília. Era um domingo de sol bravo e lancei mão de um acessório genial e milenar usado por quem entende de sol bravo: o turbante. Não exatamente um turbante, mas uma canga de praia atada como se o fosse. É perfeito. Protege o coco e a nuca, com um pouco de gelo de hora em hora mantém a cabeça fresca, segura o suor da testa e, na volta, protege o pescoço do velhinho do ar-condicionado do Metrô. Não digo que deu bode, mas sei que há quem classifique como apropriação cultural.

Sábado último fui ao piquenique carnavalesco Não fui eu, foi ontem. E a canga virou sarongue. Alguém poderia dizer que é apropriação cultural malaia. Outrem que seria piada com o feminino. Mas ninguém disse. Muito pelo contrário, fui elogiado. E ainda tive a oportunidade de falar muito do Flávio de Carvalho e da imensa vontade de que a saia seja socialmente aceita como traje masculino em São Paulo. Há quase 80 anos o polímata atravessou o Viaduto do Chá propondo o uso e até hoje a moda não pegou, infelizmente. Cresce, mas ainda não pegou.

Parênteses: um dos problemas da saia é a falta de bolso. Requer pochete, que voltou à voga. Ou mochila. Como não acho bonita a primeira e a segunda me mata de calor, pensei numa guaiaca. Mas daí vem o risco de dizerem apropriação cultural gaúcha.

Não espere conclusão, freguesa. Admito que estou confuso e me esforçando para entender todos os lados, completamente aberto ao diálogo. Mas gostaria de deixar um ponto, que me associa à Alessandra Negrini: e se a gente entender a fantasia como gesto político no sentido mais puro da palavra, por que não aproveitar o carnaval para se associar às demais culturas e tradições?

http://www.blogdoleocoutinho.com.br/index.php/…/17/fantasia/

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