21/02/2014 às 14h54min - Atualizada em 21/02/2014 às 14h54min

A Política da Panela de Pressão

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Caio Manhanelli

Texto escrito com contribuição de Marília Franco Bueno e Dra. Fabiana Varoni.

Freud explica (já em 1895) que, para dar conta de um incômodo, lançamos mão do bom e velho “recalque” – esforço de mandar às trevas do inconsciente a pulsão da qual não damos conta pelo sofrimento psíquico que causa. Ele descreve também a “repressão”, esforço de manter inconsciente esse incômodo; Mas, mais importante, Freud explica que nada fica nesse buraco por muito tempo. Esses impulsos se organizam, se reformam, e voltam ainda mais fortes. O que vemos é o Estado atuando como um neurótico – recalca o povo que manifesta uma insatisfação que diz da sua própria falta, reprime violentamente a pulsão incômoda, que volta com mais força, e normalmente de forma mais inadequada, pois o problema persiste: A ausência de um Estado enquanto provedor e mantenedor de seus direitos. A violência da repressão, aqui, tem como resposta a equivalente violência na volta desses impulsos.

Exemplos não faltam para ilustrar essa atuação: vimos, por exemplo, em junho de 2013, a demonstração de violência policial triplicar a adesão de manifestantes entre um ato e outro. E vimos também que cada vez mais é aceita a ideia do uso de violência para dar conta de uma falta que é percebida no Estado: esta semana que passou, no interior de São Paulo, a Polícia Militar teria reagido violentamente ao atender uma ocorrência em uma escola; o que deu início a um ciclo de atos violentos entre alunos e Policiais Militares (em 14/02 – Jornal A Cidade de Ribeirão Preto).

Passados 25 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988 – “a Constituição Cidadã”, cujos princípios e normas jurídicas enaltecem o Estado Democrático de Direito; tendo por primado a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, vemos que na prática pouco avançamos. Após anos de Ditadura Militar (1964/1985), a sociedade, antes reprimida, tem a esperança de dias melhores, e aceita, com resignação, a labuta diária de desrespeito aos direitos fundamentais básicos, como saúde, transporte e segurança.

Mas continua, porque ainda acredita no sistema. Sistema imposto por um Estado que diariamente “esfrega” em nossas faces o desrespeito à Lei Maior. São incontáveis as notícias diárias de ineficiência do Estado frente às necessidades básicas do cidadão. A falta de políticas públicas, de segurança e, acima de tudo, de Dignidade do povo chegou ao ponto de saturação - tal qual um barril de pólvora – bastou riscar o fósforo. Daí que vinte centavos não foram só R$ 0,20 (vinte centavos) – “A revolta dos 20 centavos”. Foi a primeira vez que o povo se levantou contra o sistema e aí se instalou a crise da representatividade. Daí que essa crise de representatividade se instalou em um ano conturbado, eis que temos Copa do Mundo e Eleições Presidenciais.

Os partidos políticos e a mídia já começaram a faturar com a espetacularização dos fatos, quiçá até os criando, para fomentar a disputa eleitoral. Afinal como diria Morgana em “As Brumas de Avalon – A verdade tem muitas faces” (sobre o caso do jornalista da Band – Santiago Lídio Andrade).

Se a para paciente um psicólogo recomendaria terapia, para lidar de forma mais saudável com os impulsos incômodos, o mesmo vale para o Estado: o recalque só leva ao retorno, e quanto mais se aperta, mais se espana. Esse jogo midiático de interesses, se valendo dos instrumentos repressivos para calar, só reforça o recalque estatal, que se não é operado pela polícia, está sendo manipulado por muitos interesses transmitidos pelas telas das TVs e manchando as folhas dos jornais, quando não nos comentários espetacularizados dos locutores de rádio.

Criminalizam-se as manifestações, de forma a manipular as opiniões contra conquistas alcançadas em uma constituição esfarrapada feita a duras penas em 88. A esperança do Estado Democrático sustentada pela Constituição de 88 está se apresentando como um embuste, mais uma forma de recalcar a ausência do Estado para seu “demo” (povo), estão faltando recursos ou competência de fato democrática para os políticos, habilidade em ser transparente, em voltar a dialogar com quem os elegeu, e sobrando a velha tática de reprimir para rechaçar. Aumenta-se a pressão na panela, e o feijão já está entupindo a válvula de escape, logo não adiantará mais conter o vapor, será preciso apagar o fogo e rezar para que ela não exploda, pois se isso acontecer vai voar feijoada para todos os lados, em plena copa, e não vai adiantar se entrincheirar para se proteger, pois o dano será monumental contra a democracia.

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