29/07/2017 às 11h57min - Atualizada em 29/07/2017 às 11h57min

Carta para a “Carta Esclarecimento ao Meu Filho” do Jornal da Cidade

Eis a minha humilde e breve ponderação sobre essa "sacada de mestre" do website em questão

Priscilla Silvestre
Captura de Imagem do Jornal da Cidade
Hoje vou comentar aqui uma publicação que vi sendo compartilhada por pelo menos 10 amigos em cerca de 10 segundos de checagem na linha do tempo do meu Facebook, que se diz tratar de um texto onde o pai explica ao filho o porquê dos bailes funks e seu "glamour" na novela “A Força do Querer”, da Glória Perez, no horário das 21 horas da Rede Globo.

A sacada de mestre do Jornal da Cidade merece palmas. Sabe por quê? Porque eles realmente tocaram na “ferida” dos brasileiros, que consomem o sensacionalismo mesmo quando mascarado de alerta.

A carta, que na verdade deve ter sido feita por um jornalista ou colaborador do veículo on-line, explica ao filho que as garotas bonitas da novela serão aliciadas pelo tráfico, que os rapazes que ostentam não chegarão aos 20 anos por conta da máfia das drogas e que tudo aquilo é custeado pelas vidas dos usuários. E é claro que isso é verdade!

Mas foi necessário que alguém postasse isso para que as pessoas tivessem consciência do recado dado pela autora ou os telejornais e outros meios de comunicação já não bastam para levantar esse atentamento?

Criticar uma obra de “entretenimento”, que está buscando trazer diversas reflexões, como a dificuldade de uma pessoa transexual, a traição por conta de um casamento de fachada e a preocupação doentia do irmão do traidor somente pelo dinheiro, a moléstia da jogatina e a entrada no mundo do tráfico por algumas pessoas por diversos motivos (e que, obviamente, terão um desfecho ruim) não é uma maneira de ser a carniça por cima da carniça?

Os mais de 33 mil compartilhamentos até agora mostram que os brasileiros não gostam de uma boa informação, mas sim de causar impactos: seja mostrar que estão de acordo com o texto (com informações que trazem tópicos óbvios de serem discutidos em casa, no ambiente de trabalho e onde quer que seja, pois esse é o objetivo da Glória Perez com essa abordagem), levantar bandeiras de uma maneira “cult” (mas só compartilhar não basta, é necessário agir) e dar um “boom” de ibope ao site, que soube trabalhar com perfil do brasileiro cibernético.

Então, como jornalista e mãe, vou responder à carta desse suposto pai.


Caro pai,

Fiquei muito feliz por você ressaltar em seu discurso diversos itens verdadeiros sobre a novela da Rede Globo, na qual uma das protagonistas é a Juliana Paes, com a personagem “Bibi”, esposa de um presidiário e mãe de um menino que está sofrendo as consequências da pseudomoralidade da sociedade. Mas fiquei intrigada com algumas coisas:
 
1) O que o seu filho estava fazendo assistindo à novela, caso ele tenha uma classificação etária abaixo do estipulado, sendo que esse tipo de enfoque dos produtos de entretenimento da televisão é para que as pessoas reflitam e não se impactem de forma negativa a ponto de idolatrar o errado, caso não tenham idade ou discernimento o suficiente para digerir a ideia passada?

2) Os bailes funks, o aliciamento de prostitutas e os traficantes não estão somente nas novelas, mas na vida real e em todos os noticiários quase que diariamente. O senhor já pensou que poderia ter conversado com o seu filho sobre esse assunto antes do capítulo em questão?

3) Aproveitando que o seu filho assiste à novela, o senhor também conversou com ele sobre ajudar aos amiguinhos que, infelizmente, sofrem as consequências com os atos errados dos pais, como o Rubinho (Emílio Dantas), filho dessa mesma protagonista e do pai presidiário, mas que foi ignorado pelos colegas no dia do seu aniversário e sua festa ficou sem ninguém. E, talvez, um amigo com pais conscientes pudessem mudar a vida desse menino?

4) Será que com essa novela o seu filho também aprendeu que respeitar aos transexuais é um ato humanitário e de amor ao próximo? E caso ele ou alguém próximo esteja passando por isso, você e ele não devem ser uma “Joyce” (Fernanda Candido) da vida, tapando o sol com a peneira, tornando essa transição ainda mais complicada e dolorosa?

5) O senhor conversou com o seu filho sobre a construção de um casamento, o saber amar verdadeiramente e a importância de uma família unida, contrapondo-se à instituição matrimonial da Joyce e do Eugênio (Dan Stulbach), totalmente por interesse social e fissuras pessoais?

6) Além disso, já que o seu filho é mais um “consumidor” de novelas, ele sabe que muitas vezes a arte imita a vida para trazer ao público carente de informações jornalísticas temas que deveriam ser do conhecimento natural das pessoas que buscam espontaneamente reflexões nas notícias, tendo opiniões e reações como membros da sociedade (o que irá valer até para a educação escolar dele, principalmente ao escrever uma redação)?

7) O seu filho já buscou ler, escrever ou assistir algo próprio para a idade dele e a sua evolução pessoal nesse tempo em que está diante da novela e, pela sua carta, não deveria estar, pois precisa ser advertido sobre o alerta dado pela trama?

8) Ao invés de escrever uma “carta” on-line, que tal pegar o seu filho e passar um dia adorável com ele, longe dos artefatos tecnológicos, que tanto distanciam as pessoas nessa Era Cibernética?

9) Por fim, bato palmas à sacada de mestre para você que escreveu esse texto. Você realmente sabe como trabalhar o marketing na web e com um texto banal viralizar um assunto que já deveria ser discutido por todos. Entretanto, com o seu conhecimento de que brasileiro gosta de “carniça” e “se mostrar culto”, sabia que teria milhares de compartilhamentos, otimizando as visitas ao site onde está a “carta” e, consequentemente, atraindo um monte de anunciantes (inclusive, esta também é a minha intenção!).
 
Um grande abraço,

Priscilla Silvestre


Quer conversar comigo, para falar sobre o assunto, criticar ou sugerir outros temas? Mande um e-mail pra mim: [email protected] ou visite meu site www.prisilvestre.com.br
 
Link
Leia Também »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp